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Fernando Martins

A marcha da maconha e o dilema da liberdade

A liberação das marchas em defesa da legalização da maconha e a reação contrária à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) expõem um dilema social muito maior do que a mera descriminalização das drogas. São sintomas de uma inquietude que permeia toda a vida contemporânea: a angústia e o desconforto de viver em um mundo cada vez mais livre, para o bem ou para o mal.

Ninguém em sã consciência, em uma primeira análise, deixaria de defender conceitualmente a liberdade como uma conquista do mundo democrático. Nunca se foi tão livre na história da humanidade, marcada por longos períodos de autoritarismo político e pelas imposições morais e religiosas. Hoje se elegem os governantes. Há ampla circulação de ideias. Escolhe-se livremente a esposa ou o marido; a profissão e o emprego; a religião. Nem sempre foi assim.

O cotidiano demonstra, no entanto, que as pessoas não aceitam tão bem uma sociedade radicalmente livre. Afinal, a liberdade incomoda. Sobretudo a dos outros, daqueles que são diferentes. E ela sempre traz consigo o risco do abuso, da extrapolação do limite – que é o direito do vizinho.

A marcha da maconha é um exemplo desse conflito. O STF reafirmou a liberdade – no caso, a de expressão – como um pilar intocável da sociedade brasileira. Ou seja, qualquer um tem o direito de questionar e querer mudar uma lei (mas não de descumpri-la, que fique bem claro). Como era de se esperar, a polêmica foi enorme. A liberdade de alguns para defender a legalização do consumo da erva se choca profundamente com as crenças de outros tantos.

Conflitos envolvendo os limites da liberdade alheia estão por trás de outras tantas discussões da atualidade: o direito de casais homossexuais poderem se casar legalmente; a proibição do fumo em espaços públicos; as restrições à propaganda destinada a crianças; os limites toleráveis de som em shows, bares e casas noturnas.

A tensão social é um efeito colateral inevitável de um mundo livre, no qual as pessoas pensam e agem de modo diferente. Ao contrário das sociedades mais restritivas ou mesmo autoritárias, nas quais os conflitos costumam ser latentes e velados, nos Estados democráticos as contendas são abertas. E isso causa uma natural sensação de desconforto diante da confrontação constante e do convívio com a diferença.

O risco é de que os atritos entre os diversos grupos provoquem fissuras insanáveis. Obter a sintonia fina na definição dos limites da liberdade é um desafio permanente da sociedade. E exige, antes de tudo, tolerância entre as partes. Esse é o preço de ser livre.

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