A liberação das marchas em defesa da legalização da maconha e a reação contrária à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) expõem um dilema social muito maior do que a mera descriminalização das drogas. São sintomas de uma inquietude que permeia toda a vida contemporânea: a angústia e o desconforto de viver em um mundo cada vez mais livre, para o bem ou para o mal.
Ninguém em sã consciência, em uma primeira análise, deixaria de defender conceitualmente a liberdade como uma conquista do mundo democrático. Nunca se foi tão livre na história da humanidade, marcada por longos períodos de autoritarismo político e pelas imposições morais e religiosas. Hoje se elegem os governantes. Há ampla circulação de ideias. Escolhe-se livremente a esposa ou o marido; a profissão e o emprego; a religião. Nem sempre foi assim.
O cotidiano demonstra, no entanto, que as pessoas não aceitam tão bem uma sociedade radicalmente livre. Afinal, a liberdade incomoda. Sobretudo a dos outros, daqueles que são diferentes. E ela sempre traz consigo o risco do abuso, da extrapolação do limite que é o direito do vizinho.
A marcha da maconha é um exemplo desse conflito. O STF reafirmou a liberdade no caso, a de expressão como um pilar intocável da sociedade brasileira. Ou seja, qualquer um tem o direito de questionar e querer mudar uma lei (mas não de descumpri-la, que fique bem claro). Como era de se esperar, a polêmica foi enorme. A liberdade de alguns para defender a legalização do consumo da erva se choca profundamente com as crenças de outros tantos.
Conflitos envolvendo os limites da liberdade alheia estão por trás de outras tantas discussões da atualidade: o direito de casais homossexuais poderem se casar legalmente; a proibição do fumo em espaços públicos; as restrições à propaganda destinada a crianças; os limites toleráveis de som em shows, bares e casas noturnas.
A tensão social é um efeito colateral inevitável de um mundo livre, no qual as pessoas pensam e agem de modo diferente. Ao contrário das sociedades mais restritivas ou mesmo autoritárias, nas quais os conflitos costumam ser latentes e velados, nos Estados democráticos as contendas são abertas. E isso causa uma natural sensação de desconforto diante da confrontação constante e do convívio com a diferença.
O risco é de que os atritos entre os diversos grupos provoquem fissuras insanáveis. Obter a sintonia fina na definição dos limites da liberdade é um desafio permanente da sociedade. E exige, antes de tudo, tolerância entre as partes. Esse é o preço de ser livre.
Hugo Motta troca apoio por poder e cargos na corrida pela presidência da Câmara
Eduardo Bolsonaro diz que Trump fará STF ficar “menos confortável para perseguições”
MST reclama de lentidão de Lula por mais assentamentos. E, veja só, ministro dá razão
Inflação e queda do poder de compra custaram eleição dos democratas e também racham o PT