Em plena Idade Média, o filósofo e frade franciscano inglês Guilherme de Occam (1285-1347) conceituou um princípio lógico ao qual ainda hoje a ciência recorre para resolver seus impasses. A Navalha de Occam, como ficou conhecido, determina que, havendo duas formas de se chegar ao mesmo resultado, a mais simples sempre deve ser escolhida. Ou seja, deve-se "cortar" sem dó os excessos nas explicações da realidade que não levam a nada. A navalha do frade tem sido bem-sucedida para promover avanços científicos e pode ser útil no cotidiano de todos. Mas, a despeito disso, o ser humano costuma a se esquecer de amolar o fio dessa lâmina.

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O assassinato do ex-presidente dos EUA John Kennedy, que completou 50 anos na última sexta-feira, é um exemplo de como as pessoas facilmente são seduzidas por explicações complexas e pouco simples. Cinco décadas depois, a morte de Kennedy continua sendo alvo de dezenas de teorias conspiratórias que descartam a explicação mais óbvia, segundo as evidências colhidas na investigação policial – a de que um maluco, Lee Oswald, sozinho, matou o presidente.

Parece inglório que o homem mais poderoso do planeta tenha sido fulminado por um motivo banal e que nunca haverá uma explicação definitiva sobre isso (afinal, Oswald morreu sem contar seus motivos). A tentação de preencher esse "vazio" com algo maior é grande. E muitos escolhem a narrativa que melhor se encaixa no seu ponto de vista. Para os anticomunistas, dizer que o líder cubano Fidel Castro foi o mandante é um conforto. Do mesmo modo que, para os pacifistas, é útil culpar o aparato industrial-militar argumentando que Kennedy estaria propenso a encerrar a Guerra do Vietn㠖 o que cessaria os enormes lucros decorrentes do conflito.

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O problema da lógica (ou melhor, ilógica) das teorias da conspiração é que ela se estende e encontra eco em situações cotidianas. Muitos preferem ignorar a simplicidade dos fatos. São seduzidos pela busca de algo que faça mais sentido – e que, sobretudo, se encaixe em suas próprias convicções. Preenchem a realidade com aquilo que creem ser verdadeiro e não necessariamente com o que é real. Muitas vezes é assim que ocorre com as ideologias. A religião e o misticismo, quando impermeáveis à razão, operam do mesmo modo.

Todos estão sujeitos a esta tentação: ser enganados por si mesmos. É nessa hora que a navalha do velho frade pode ser útil. Para cortar na própria carne os penduricalhos com que se preenchem as convicções humanas.