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Rhodrigo Deda

A redenção do homem prático

As atividades intelectuais são vistas como superiores a atividades práticas em nossa cultura. Isso está tão enraizado que quase nem percebemos. Pior que isso, formamos juízos preconceituosos. Há algumas semanas eu comentava a um jovem fotógrafo que admirava a profissão que ele tinha escolhido, pois era essencialmente prática. De pronto ele rechaçou a ideia e contra-argumentou que a fotografia era um trabalho intelectual. Justificou dizendo que para se tirar bem fotografia era preciso ter um conhecimento teórico aprofundado – de estética e arte – para se saber o que fazer.

Diante do impasse para o qual a discussão estava sendo conduzida eu sugeri a ele que lesse a obra O Artífice do sociólogo norte-americano Richard Sennett. Eu a emprestaria de bom grado (o que acabei não fazendo), para que pudesse compreender que as atividades essencialmente práticas são tão nobres quanto aquelas puramente intelectuais. Fazer é uma forma de pensar.

Em sua obra, Sennett quer reabilitar o homem prático no mundo moderno. Na introdução, ele cita dois conceitos elaborados por sua professora Hannah Arendt: Animal laborens – o trabalhador braçal, o "burro de carga" – e o Homo faber, um ser superior, que deixa a produção e passa a discutir e refletir sobre o fazer. Em síntese, diz Sennett, "enquanto o Animal laborens está fixado na pergunta ‘Como?’, o Homo faber pergunta ‘Por quê’."

Essa divisão, como bem demonstra Sennett, despreza o homem prático. Privilegia o intelectual. Contudo, o homem que realiza tarefas práticas, como a fotografia, também é capaz de pensar. Porém, o seu pensar se concretiza na realização de uma atividade material.

O fotógrafo – assim como médicos, programadores de computador, advogados e (por que não?) jornalistas – são trabalhadores que se valem de habilidades, por assim dizer, artesanais. Muito dos conhecimentos de que esses profissionais se valem para executar suas tarefas nem sequer são expressos em linguagem. São conhecimentos tácitos, adquiridos pela experiência. Con­­tudo, são essenciais para realizar a sua arte.

Essas profissões implicam "fazeres", estão vinculadas a atividades práticas que dependem de uma relação física com seu objeto do trabalho. Os profissionais dessas áreas dependem de suas percepções, intuições e julgamentos para dar qualidade a seus feitos. O conhecimento teórico, nesse contexto, é útil quando está vinculado à finalidade da atividade.

Com isso, não se quer desprezar a atividade puramente intelectual. É claro que todo o conhecimento teórico é bem-vindo. O importante é que melhore a prática. Porém, o conhecimento puramente abstrato pode levar à alienação tanto quanto o trabalho manual mecanizado.

Essa reflexão serve como homenagem ao 1.º de Maio, data em que se comemora o Dia do Trabalho.

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