• Carregando...

A liberdade é o grande tema do Sete de Setembro, quando os brasileiros celebram a independência da nação. Bem, nem todos; a maioria só quer mesmo saber do feriado... Talvez ninguém esteja nem aí para o significado da data porque falar da liberdade de um país seja algo absolutamente distante. Mas esse é um assunto que afeta nosso cotidiano se colocarmos uma lupa. A liberdade do vizinho, do motorista ao lado, do colega do trabalho, daquele que pensa diferente é um grande incômodo frequentemente. Motivo de nossas queixas. A pedra no sapato. E – num momento de forte polarização política, como o que hoje vivemos – é também o alvo preferencial do pequeno tirano que mora dentro de todos nós.

Mas a discussão da liberdade do próximo – e seus inconvenientes – é um tanto quanto óbvia. Trata-se, no extremo, de se estabelecer os limites de cada um. Fixar punições para quem os desrespeita. E assunto encerrado. O ponto a que quero chegar é que há uma perspectiva inteiramente pessoal sobre a liberdade de que pouco se fala. Que se oculta porque traz angústia. Uma liberdade da qual não raras vezes se abre mão. Voluntariamente. Sem necessidade.

Ser livre é ter a possibilidade de escolha. E isso pode ser um fardo. O austríaco Sigmund Freud (1865-1939), pai da psicanálise, dizia: “A maioria das pessoas não quer realmente a liberdade, pois liberdade envolve responsabilidade, e a maioria tem medo da responsabilidade”.

Escolher também implica perda. A perda daquilo que se deixa de escolher para seguir outro rumo. Isso fica evidente em todas as grandes decisões da vida: a profissão, o casamento, ter filhos, a separação, dedicar-se mais ao trabalho ou à família. Mas não somente nisso. Cada pequena resolução também é um abraço em algo e o abandono de outras possibilidades.

Quase cinco séculos atrás, o filósofo francês Étienne de La Boétie (1530-1563), em sua obra máxima, Discurso da Servidão Voluntária, percebeu que o medo da perda, da escolha errada, de assumir responsabilidades leva pessoas a espontaneamente abrir mão da liberdade individual para alguém que lhes diga o que fazer. Em outras palavras, submete-se a alguém que tenha poder – esse incrível sedutor. A servidão pode, enfim, ser mais confortável que a liberdade.

La Boétie falava principalmente de reis tiranos, do poder estatal. Contudo, o poderoso não é apenas o governante, a autoridade; é também o especialista, o guru, o chefe. Qualquer um a quem ouvimos e seguimos sem refletir.

Outro detalha importante do pensamento de La Boétie é que ele observa haver uma grande pirâmide hierárquica abaixo do poderoso formada por gente que se submete ao superior para ter algum controle de quem lhe está abaixo. Tal hierarquia se reproduz até hoje nas relações do cidadão com o Estado, no trabalho, na vida social, na família. E é extremamente acentuada num país desigual como o Brasil.

Rotineiramente isso resulta em injustiça. Mas a injustiça não é, na cabeça daquele que a pratica, responsabilidade sua – o “bônus” por abrir mão de ser livre. Ele passa a acreditar que só cumpre ordens. Afinal, é assim que as coisas sempre foram... Não é. O conforto do autoengano não muda o fato de que somos responsáveis por tudo que fazemos.

O historiador brasileiro Leandro Karnal – em uma palestra da qual admito que esse texto é quase que inteiramente inspirado – aponta uma saída para enfrentar o medo e a angústia de ser livre. A resposta é do pensador Michel de Montaigne (1533-1592), amigo de La Boétie: cultivar amizades genuínas – algo que também pode se verificar na relação de amor de um homem e uma mulher. Entre dois amigos quebram-se as hierarquias. Um oferta ao outro a igualdade. Aprende a ser igual na diferença. E recebe em troca a possibilidade de ser o que é. Sem máscaras. Livre.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]