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Fernando Martins

Anjos bons e maus na Curitiba medieval

Viver ao lado de povoados e castelos da Idade Média parece uma realidade distante para os brasileiros – algo comum apenas aos europeus. Mas grandes cidades do país, inclusive Curi­tiba, estão de certa forma se tornando medievais em pleno século 21. E isso não é bom.

Excetuando-se as majestosas igrejas e catedrais de pedra, a Idade Média em geral legou à posteridade uma arquitetura da violência e do medo. Cidadelas e castelos medievais, por mais belos que sejam, não passam de fortalezas: construções erguidas com o intuito de impedir invasões em um período histórico no qual guerras e pilhagens eram comuns.

Muralhas altas, que não permitem a visão do que se passa dentro. Torres de vigilância. Paliçadas (fileiras de estacas pontiagudas instaladas ao redor da construção). Essas são algumas das características da arquitetura medieval. Mas, considerando adaptações da atualidade, descrevem também casas e condomínios residenciais dos grandes centros urbanos brasileiros, fechados em si, em função do medo da criminalidade.

As taxas de assassinatos corroboram a hipótese da "medievalização" de várias cidades do Brasil. Curitiba, por exemplo, teve no primeiro semestre um índice de 40 homicídios por 100 mil habitantes. Em agosto, atingiu um pico de 54. A média na Idade Medieval foi de 50 – segundo consta no livro The better angels of our nature: why violence has declined (Os melhores anjos da nossa natureza: por que a violência diminuiu, em tradução livre), lançado recentemente nos EUA.

Escrito pelo psicólogo Steven Pinker, professor de Harvard, o livro defende a tese de que o planeta nunca foi um lugar tão seguro para se viver – tudo fundamentado em estatísticas atuais e estimativas de mortes violentas feitas com base em escavações arqueológicas.

O índice de assassinatos na Europa hoje varia de 1 a 3 por 100 mil pessoas. Pinker explica que o "anjo mau" do homem, o instinto animal que tende a levá-lo à violência e à barbárie, vem sendo historicamente domado pela civilização. Para o psicólogo, isso ocorre devido aos "melhores anjos" do ser humano, que precisaram de milênios para se manifestar: a racionalidade e a empatia (a capacidade de se identificar com o outro).

O homem inteligentemente percebeu, ao longo da história, que era mais vantajoso viver em sociedades seguras. E, assim, inventou um Estado que coibisse a violência. Segundo Pinker, dentre outros fatores, o aumento da empatia se somou ao Estado para constituir as bases da pacificação humana. E foi justamente a ampla disseminação da leitura e da cultura, após a Idade Média, que aproximou os ho­­mens, ampliou os círculos de empatia e reduziu a barbárie.

Curitiba, porém, involuiu. As estatísticas policiais e a arquitetura mostram que a cidade aprisionou os anjos bons e soltou os maus. Falta Estado e cultura. Sobra irracionalidade – para ficar num termo mais polido – aos governantes e a uma parcela da população.

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