Pais e mães passam corriqueiramente pelo dilema de serem justos com os filhos – especialmente quando um deles comete um erro grave e não o assume, levantando a suspeita sobre os outros. Por exemplo: o vizinho reclama que um saco de lixo foi arremessado da casa ao lado em seu quintal; e isso só pode ter sido feito pelas crianças, que estavam sozinhas na residência. “Quem fez?” é a pergunta inevitável dos pais. Mas como fazer e ensinar a justiça se não há resposta? Se o autor, por medo, nada diz; e os demais, por omissão, silenciam? Não repreender ninguém deseduca. E tratar a todos de igual modo, no caso de um castigo coletivo, não deixa de ser injusto. Mas essa é a “justiça” implícita na lógica do maior empreiteiro do país, Marcelo Odebrecht. E isso diz muito sobre o Brasil.
Na semana passada, em depoimento à CPI da Petrobras, Odebrecht deixou claro que nunca cogitou fazer delação premiada no caso da Lava Jato ao explicar, num exemplo de sua família, quais são seus valores morais. Se alguma de suas filhas tivesse “aprontado”, disse ele, talvez brigasse mais com aquela que dedurou a outra do que com a que tinha errado – e que obviamente ficou quieta sobre seu erro.
Enquanto houver pais que pensem como Odebrecht, o Brasil continuará a criar cidadãos mentirosos e dissimulados
A solução de Odebrecht é a pior possível: pune o inocente de forma mais dura e, ao mesmo tempo, desestimula as filhas a serem verdadeiras. Se o empreiteiro fizesse isso uma única vez, num segundo caso semelhante teria muito provavelmente de se confrontar com a lei do silêncio dentro de casa. Afinal, num cálculo de custo-benefício feito pelas crianças, essa seria a alternativa que iria garantir a punição mais branda a ambas.
A moral do empreiteiro implica ainda que a lealdade ao grupo a que se pertence é muito mais importante do que a verdade em si. Nessa lógica, ninguém “entrega” ninguém, ainda que haja erros graves em andamento. Quem o fizer, mesmo que de forma justa, comete o maior pecado que poderia praticar contra as variadas formas de coletivismo que oprimem a individualidade: o crime de libertar sua consciência; de exercitar sua autonomia em nome de um valor maior.
Não se trata, portanto, de estimular que os filhos (e as pessoas de um modo geral) sejam dedos-duros, que façam fofoca e intriga sobre a vida alheia. A ampla rejeição cultural do brasileiro à figura do “cagueta” pode conduzir a essa conclusão superficial. Mas ela é equivocada. E obscurece qual é o cerne da questão: a verdade como pressuposto da justiça. Numa situação em que se pode evitar uma injustiça ou reparar um erro, o silêncio não é uma escolha correta. Esse é o ponto. E não o receio de criar pequenos fofoqueiros – que em geral não têm nenhuma intenção de serem justos; muito pelo contrário.
Enquanto houver pais que pensem como Odebrecht, porém, o Brasil continuará a criar cidadãos mentirosos, dissimulados, omissos e submissos a seus grupos. Permanecerá sendo injusto em todos os sentidos, pois não tem a justiça e a verdade entre seus principais valores. Talvez isso explique por que o país é do jeito que é.
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