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Fernando Martins

Desconfiança permanente

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De tempos em tempos os jornais noticiam a invasão de apartamentos por assaltantes. Por vezes, os bandidos se disfarçam de entregadores de pizza para entrar nos prédios. Já houve casos, durante o Natal, em que eles se fantasiaram de Papai Noel. Ou então os marginais ficam apenas esperando um motorista desavisado demorar alguns segundos a mais para abrir o portão eletrônico, oportunidade para rendê-lo. As táticas são muitas. O que não muda é o fato de os criminosos sempre se aproveitarem da boa-fé de moradores e porteiros para roubar.

Aconteceu de novo no fim de semana passada em dois prédios de São Paulo. Logo os especialistas apontaram a causa desse tipo de roubo: a falha humana; o descuido de moradores e porteiros com as normas de segurança do condomínio. Dicas foram dadas para que as pessoas evitem que edifícios residenciais voltem a ser violados. Em resumo: é preciso se proteger, ficar sempre alerta; qualquer estranho deve ser tratado como um perigo em potencial.

Por mais que possamos sempre melhorar a segurança de nossas residências ou passar a ter atitudes que dificultem a abordagem dos criminosos, o fato é que estamos voltando ao estado da natureza. Animais selvagens desconfiam de tudo na luta pela sobrevivência. Afinal, o inimigo pode estar atrás da árvore mais próxima. O que nos distingue dos bichos é justamente a capacidade de formar sociedades baseadas naquilo que estamos perdendo – a boa-fé, a confiança nos outros. Os ladrões, enfim, não nos têm roubado apenas bens materiais. Estão levando nossa própria humanidade.

As dicas dos especialistas (alguns deles policiais) para evitar crimes, embora carregadas de pragmatismo, revelam ainda uma perversa inversão de valores. Já que o Estado não consegue garantir um mínimo aceitável de segurança pública, a responsabilidade pelos assaltos passa a ser do cidadão. E a culpa também. Afinal, o muro era baixo e facilitou a entrada do criminoso. A casa não tinha alarme ou grades. A carteira do cidadão estava no bolso de trás da calça, o que facilitou a ação dos marginais.

As justificativas costumam ser variadas. Esquece-se que as sociedades modernas, constituídas a partir das concepções dos filósofos iluministas dos séculos 16 e 17, têm por pressuposto fundamental a obrigação de os governos proverem a segurança pública. Para aqueles pensadores, a criação do Estado havia sido fruto de um contrato social. Para evitar as constantes guerras e brigas, capazes de dilacerar as comunidades, os homens abriram mão de parte de sua liberdade em favor de uma entidade maior. Em troca, fizeram uma única exigência: essa entidade – o Estado – deveria garantir a segurança de todos. Nossos governos, definitivamente, estão descumprindo o trato.

Fernando Martins é jornalista.

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