A Operação Lava Jato levou para a cadeia e indiciou alguns dos principais políticos e empreiteiros do país. A nova fase da investigação – batizada de erga omnes, expressão em latim que significa “a lei vale para todos” – sintetiza o espírito da apuração: não importa o cargo, tampouco a riqueza que alguém possui, a legislação tem de ser respeitada. Dirigentes das duas maiores construtoras do Brasil, afinal, foram detidos.
Mas, ao mesmo tempo em que a Polícia Federal ajuda a puxar o país em direção a um republicanismo mais efetivo, parte dos delegados da PF segue no caminho oposto ao exigir que eles sejam chamados de “vossa excelência”, conforme mostrou a Gazeta do Povo do domingo passado.
Os dois fatos mostram como forças contraditórias, do avanço e do retrocesso, travam uma luta cotidiana no país – muitas vezes dentro de uma mesma instituição, na cabeça de uma mesma pessoa. A Lava Jato busca fazer valer a igualdade perante a lei. A exigência de ter um tratamento distinto em relação aos demais cidadãos e funcionários da Polícia Federal tenta criar a diferença.
O termo “vossa excelência” carrega forte herança de uma sociedade monárquica, hierarquizada, em que há cidadãos distintos: os nobres e o resto da população
Ainda que o argumento seja de que a Lei 12.830, de junho de 2013, determine que delegados da PF sejam chamados do mesmo modo que os juízes, a Constituição Federal garante que todos são iguais perante a lei. Em tese, isso deveria valer inclusive para formas de tratamento e teria de se sobrepor a uma lei.
O termo “vossa excelência”, aliás, carrega forte herança de uma sociedade monárquica, hierarquizada, em que há cidadãos distintos: os nobres e o resto da população. Alguns têm de ser chamados de “excelências”, “meritíssimos”, “magníficos” – denominações que não guardam necessariamente nenhuma relação com o sentido original da palavra (há “excelências” corruptas, por exemplo). Os demais cidadãos merecem, se muito, ser tratados como “senhor” pelas autoridades. A língua, nessa configuração, torna-se um instrumento de poder e demarcação das diferenças sociais.
Nos Estados Unidos, uma das nações que mais prezam a igualdade diante da lei, todos – autoridades e cidadãos – costumam se chamar pelo pronome you, equivalente ao nosso “você”. Obviamente, “você” tem uma conotação um tanto informal no Brasil. Mas o termo “senhor” é respeitoso o suficiente e poderia ser usado de forma adequada para estabelecer bases de um tratamento igualitário entre agentes do Estado e a população.
Adotar essa postura seria uma excelente contribuição, ainda que simbólica, para o país construir uma democracia mais madura.
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