Platão escreveu o famoso mito da caverna como uma alegoria da incapacidade humana de enxergar a realidade como ela de fato é. O filósofo diz que a humanidade se comporta como pessoas que, nascidas dentro de uma gruta por onde entra apenas um pequeno feixe de luz, veem tão-somente sombras projetadas nas paredes. E pensam ser essas imagens o mundo real. Platão queria mostrar que o homem é prisioneiro de si mesmo, de suas percepções parciais. E que a caverna é a própria mente: quanto menos luz se deixa entrar nela, menos se conhece a verdade.
O mito de Platão costuma ser estudado nos bancos escolares e, depois, raramente sai dos livros para entrar no cotidiano. Mas deveria ser mais lembrado.
Os universitários que invadiram recentemente a Reitoria da USP, por exemplo, criaram sua própria caverna no prédio ocupado. Embora muitos deles sejam estudantes de Filosofia, esqueceram-se da lição platônica ao defender a retirada da PM. Não perceberam a realidade: é preciso coibir a criminalidade dentro do câmpus. Além disso, a maioria dos alunos da universidade (58%) é a favor da presença dos policiais dentro da USP e apenas 36% são contrários segundo pesquisa Datafolha divulgada no domingo (o restante dos alunos não soube responder ou disse ser indiferente).
O levantamento, publicado pelo jornal Folha de S.Paulo, tem ainda outro dado que traz pistas valiosas para entender o comportamento dos alunos-ocupantes. Na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, onde estuda a maior parte deles, há ampla rejeição à presença da PM, de 70%. É possível supor que a equivocada percepção de que agiam em nome da maioria, reforçada pelos seus contatos pessoais, tenha servido de combustível para o ato extremo.
Faltou Platão na USP, sem dúvida. Mas também falta Platão a todos nós, acostumados que estamos com nossas vidas e pouco propensos a ver a realidade de quem é diferente. O mundo contemporâneo, farto de informações e de ciência, dá a falsa sensação de iluminação e conhecimento da verdade. Mas costumamos nos aprisionar a esquemas mentais, a formas de pensar que construímos e adquirimos no contato frequente com círculos sociais e profissionais restritos.
Médicos que reclamam da baixa remuneração não percebem que o que ganham é mais do que a maioria sonha receber algum dia. Jornalistas tendem a sobrevalorizar o lado ruim de tudo. Engenheiros pensam na praticidade. Arquitetos, na estética. Há advogados que não se envergonham de criar "realidades" para livrar seus clientes de condenações. Muitos trabalhadores veem os empresários como exploradores. E existem profissionais bem-sucedidos que enxergam os pobres como preguiçosos que não se esforçam. Na política, a esquerda tacha quem é de direita de reacionário. A direita diz que a esquerda é populista.
Esses comportamentos são fruto de percepções parciais, que podem levar a visões preconceituosas. Mas a realidade está muito além. Conhecê-la exige deixar a luz entrar na caverna. Exige abrir-se para conhecer o outro de verdade.
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