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 | Pedro França/Agência Senado
| Foto: Pedro França/Agência Senado

Vamos tentar fechar um trato antes de começar? A proposta: despir-se de prejulgamentos ideológicos para se ater aos argumentos. OK?

Agora, vamos lá. Pode-se não gostar de Gleisi Hoffmann (PT-PR) por vários motivos políticos. Por ela ser investigada pela Lava Jato. Por ter defendido com unhas e dentes o governo Dilma. Por ter votado nela e se decepcionado. Por ela defender ideias com as quais não se concorda.

A questão aqui é outra: não se pode desgostar da senadora pelo simples fato de ela ser mulher. Mas foi justamente isso que virou o principal motor de grosserias contra a senadora na internet durante a semana passada, após Gleisi sugerir que elas fizessem greve de sexo no Dia da Mulher. A imensa maioria dos comentários agressivos era de internautas homens e voltou-se para a condição feminina de Gleisi – o que é bem significativo do ponto a que quero chegar.

Um pequeno parêntese com sinal ideológico invertido para mostrar que não se trata de uma questão partidária, mas comportamental. A advogada Janaína Paschoal, uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma, também foi desqualificada muitas vezes pelos defensores da então presidente por ser uma mulher supostamente “descompensada”. Nada parecido ocorreu com os outros dois autores do pedido: Miguel Reale Junior e Hélio Bicudo.

Mas voltemos ao caso de Gleisi. Raros foram aqueles que usaram argumentos racionais, tal como o de que a proposta da greve de carícias reduz a mulher a um mero objeto sexual, uma prestadora de serviços íntimos. A discussão seria interessante. Alguém poderia contrapor argumentando que o corpo é da mulher e que ela o entrega a quem quiser, quando quiser. Decretar uma “greve”, portanto, seria se libertar dos homens que exigem ter seus “direitos” de marido ou companheiro atendidos.

Se mulheres e homens juntarem suas linhas, podem tecer uma corda bem forte

Em defesa da senadora, pode-se ainda afirmar que a greve de carícias era apenas uma das várias sugestões dela para chamar a atenção para a violência e a falta de igualdade da mulher na sociedade; e que as propostas (inclusive a abstenção de sexo) faziam parte de um movimento internacional para marcar o dia.

O mais curioso (e ao mesmo tempo desanimador) é que a reação contrária à proposta de Gleisi já havia sido descrita antes mesmo de ela se pronunciar no Senado. Muito antes: 2,4 mil anos antes. Na comédia clássica Lisístrata, que tem como tema justamente uma revolta das mulheres gregas que decidem forçar seus maridos, por meio de uma greve de sexo, a encerrarem as constantes e inúteis guerras em que se metem.

Para muitos, embora tenha sido escrita por um homem, Lisístrata é o primeiro manifesto feminista da história – uma referência esporadicamente usada por movimentos de defesa das mulheres. Aristófanes, o autor, usou o humor e um bocado generoso de malícia – a peça é capaz de provocar rubores nos mais recatados – para expor o ridículo do belicismo e do machismo.

Comandadas por Lisístrata, a personagem que dá nome à comédia, as gregas se amotinam na Acrópole de Atenas. Tomam a chave do Tesouro – numa metáfora de que elas podem assumir a gestão das coisas públicas.

No desenrolar da história, os homens não aceitam: “Audácia!”, “Vamos acabar com essas liberdades!”. Fazem ameaças violentas. Partem para a desqualificação: “Criatura sem-vergonha!”, “Mulher só sabe falar alto!”, “Voltem para suas agulhas, linhas e bordados!”

Um detalhe importante: os mais revoltados com a greve são retratados como velhos – uma metáfora do que Aristófanes considerava ser um comportamento anacrônico já àquela época. E que continua atual.

Na comédia grega, as mulheres resistem. E, quando os homens estão a ponto de subir pelas colunas do Partenon pela secura de carícias, eles cedem e encerram a guerra – desculpe o spoiler!

Na ficção, elas conseguiram chegar a um bom termo para viverem bem juntas deles. Vinte e quatro séculos depois, nem sempre é assim.

Talvez os homens precisem refletir sobre um dos trechos mais poéticos da peça sobre a vida a dois, em família, na sociedade. Quando Lisístrata é instada a voltar para seus bordados, ela diz que pode dar um jeito em tudo o que está errado com linhas e agulhas. Se mulheres e homens juntarem suas linhas, podem tecer uma corda bem forte. E, com mais linha, fazem o tecido para aquecer a todos.

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