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Fernando Martins

Nós contra eles

A cena é digna de entrar no anedotário político: a candidata a uma cadeira na Câmara de Curitiba aparece na propaganda de televisão e, nos poucos segundos a que tem direito para dar seu recado, pede que o eleitor não vote nela. A justificativa: “Porque eu gosto de trabalhar”. Provavelmente a maioria das pessoas nem a viu – quem afinal presta muita atenção no desfile de desconhecidos na telinha pedindo o seu voto? A julgar pelos vereadores eleitos no último domingo, o curitibano atendeu ao inusitado pedido. Ela não se elegeu.

De certa forma, porém, a candidata expressou muito do que está no ar já faz algum tempo. A rejeição aos políticos. O sentimento de que eles não trabalham pela população. A sensação de que participar de eleições não faz diferença – se ela mesma, que era candidata, pede para que o eleitor não vote nela, por que então escolher alguém?

Esses são sintomas da crise de representação política que atinge, com maior ou menor intensidade, todas as democracias ocidentais. Uma crise que ameaça levar parcelas expressivas da população a flertar com projetos autoritários de organização política – o que exige uma profunda reflexão de todos; e em especial das autoridades.

As eleições de 2016 deixaram mais evidente a insatisfação que vem se manifestando de forma contundente desde as jornadas de junho de 2013.

As eleições de 2016 deixaram mais evidente a insatisfação que vem se manifestando desde 2013

O número de eleitores que não compareceu às urnas só vem aumentando nas disputas municipais: neste ano, foram 17,58% dos eleitores (25,3 milhões de brasileiros); em 2012 haviam sido 16,41% e em 2008, 14,5%. Além disso, nas principais cidades do país a quantidade de pessoas que não escolheu nenhum concorrente também surpreendeu. Em Curitiba, 360,3 mil eleitores faltaram, votaram em branco ou nulo. É mais do que aqueles que escolheram Rafael Greca, o vencedor do primeiro turno.

Candidatos que se apresentaram como antipolíticos também tiveram sucesso. O maior exemplo foi a eleição do empresário João Doria (PSDB) à prefeitura de São Paulo – embora ele próprio já tenha ocupado cargos públicos anteriormente.

O forte repúdio à corrupção também marcou as eleições. O PT encolheu drasticamente. Perdeu dois terços das prefeituras que tinha. Foi punido pelas urnas por ter sido sob sua gestão na Presidência que se organizou o esquema descoberto pela Lava Jato.

Ao mesmo tempo, há cada vez mais indicativos de que os eleitores não se sentem representados pelos partidos tradicionais e que buscam testar “novidades”, o que explica a fragmentação cada vez maior do poder. Em 2016, políticos de 31 siglas se elegeram prefeitos. Um número que só aumenta desde 1996, quando “apenas” 22 legendas haviam vencido as disputas.

A leitura que os políticos fazem da insatisfação popular, porém, costuma ser equivocada. Foi assim em junho de 2013, quando o PT negligenciou o recado das ruas e se seduziu pelo autoengano da vitória eleitoral em 2014. Insistiu na tese do “nós” contra “eles”. Deu no que deu.

Também está sendo assim agora. Logo após fechada a apuração dos votos no domingo, dentro do Planalto a avaliação era de que defensores do “Fora, Temer” haviam sido derrotados. Não. Rechaçar o PT não significa aprovar a gestão do peemedebista. Aliás, na terça-feira pesquisa do Ibope mostrou que o governo Temer é aprovado por apenas 14% dos brasileiros. Com esse índice de popularidade, o “Fora, Temer” segue, no mínimo, latente.

Rechaçar o PT também não significa que o brasileiro caiu de amores pelo PSDB, seu principal oponente. Os tucanos se fortaleceram após o domingo, é verdade. Mas tudo indica que isso ocorre mais por falta de opção do que por convicção dos eleitores. É a teoria do mal menor.

Aqui na terrinha, o governador Beto Richa afirmou ao blog Caixa Zero, da Gazeta do Povo, que os bons resultados dos candidatos que ele apoiava não são uma “absolvição” pelo eleitorado de sua gestão. Isso porque ele não se sente culpado de nada. Inclusive do episódio do 29 de abril – que teria sido, em suas palavras, uma armação do PT.

O pano de fundo da análise dos políticos a respeito dos resultados eleitorais continua sendo o de “nós” (do partido A) contra “eles” (do partido B). Na verdade, o recado das urnas é de que “eles”, os políticos, não entendem o que “nós”, os eleitores, queremos.

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