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As instituições ocidentais modernas foram erguidas a partir da premissa de que todos os seres humanos são igualmente livres – e de que o pressuposto da liberdade é a razão. Ou seja, o homem usa o intelecto para controlar seus instintos animais e, assim, liberta-se da bestialidade. A consequência da racionalidade, portanto, só poderia ser a constituição de uma sociedade (viver junto de outras pessoas é vantajoso) e de um Estado (instituição cujo objetivo formal é garantir a liberdade de todos, paradoxalmente, por meio da restrição consentida das liberdades individuais).

O crack, a droga que se alastra pelos quatro cantos do país, rouba do dependente aquilo que o torna humano: a sua razão e, consequentemente, a liberdade. A brutal "fissura" do usuário para continuar a consumir o entorpecente é uma prisão. É um instinto incontrolável que não existe nem mesmo na selva. Os animais buscam sempre sua sobrevivência; o crack leva o homem à autodestruição. O viciado, sob esse aspecto, é reduzido a uma condição inferior à de uma fera selvagem.

É por isso que a proposta de internação involuntária dos usuários de crack, discussão que começa a ganhar corpo, faz sentido. Ao Estado, o guardião da liberdade de todos, caberia intervir para assegurar o resgate da razão e a libertação do dependente. O argumento de que ninguém pode ser obrigado a fazer nada contra sua vontade parece frágil ao se considerar que o usuário já não controla seus desejos e virou um escravo do vício.

O debate acerca da internação involuntária deve crescer com o lançamento do Plano Nacional de Combate ao Crack, previsto para ocorrer em breve. O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, já se posicionou a favor desse tipo de medida, desde que feita com critérios e respeito.

Mas a calorosa discussão que deve envolver a internação compulsória embute o risco de desviar a atenção do segundo (e mais importante) aspecto de uma política de combate ao crack: a necessidade de haver uma rede de assistência que não seja um mero depósito de gente retirada das ruas. É preciso ter em mente que o objetivo da internação compulsória é libertar o usuário para assegurar-lhe o resgate da dignidade humana – e não segregá-lo.

Mas há maus sinais no ar. Na segunda-feira, o Conselho Fede­ral de Psicologia lançou o alerta ao divulgar relatório de uma inspeção a 68 instituições de internação de usuários de drogas em 24 estados e no Distrito Federal: em todas elas foram verificadas violações dos direitos básicos dos dependentes. Pode ser que o país perca sua primeira grande tentativa de enfrentar as drogas pelo viés da saúde pública e não da polícia.

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