Não respeitar as leis, se apropriar do que é público, só pensar em si próprio e não no bem da coletividade. Responda rápido: quem costuma ter esse tipo de comportamento?
Pensou nos políticos? Na maioria das vezes eles não nos dão muitas razões para os excluirmos da resposta a essa pergunta. Não seria, portanto, nenhuma surpresa se nossos governantes e legisladores estiverem na ponta da língua quando somos confrontados com esse questionamento.
Poucos, talvez ninguém, acusariam a si próprios por se comportar de forma tão reprovável. No entanto, se analisarmos as atitudes de grande parte de nós mesmos ao volante, o cenário muda.
O trânsito, assim como o dinheiro dos contribuintes, também é um bem público, embora costumemos nos esquecer disso. Aliás, é o bem público com o qual mais temos contato, todos os dias. Mas uma parcela significativa dos motoristas costuma se apropriar das ruas como se elas fossem deles. Quando um condutor desrespeita a lei de trânsito furando o sinal vermelho ou estacionando em local proibido, por exemplo, não está fazendo nada mais do que tomar para si um espaço que deveria ser compartilhado por todos.
Do ponto conceitual, não há muita diferença entre o comportamento dos maus motoristas e as atitudes dos políticos. A bagunça no trânsito brasileiro, portanto, nada é mais do que um espelho do caos de nosso sistema político, no qual há uma confusão entre o público e o privado. Não é surpresa nenhuma que os maus políticos continuem a ser eleitos, pois uma parte significativa da população não consegue distinguir as diferenças entre esses dois conceitos básicos de qualquer democracia.
Admitir que não somos tão diferentes dos políticos em nossas atitudes com relação aos bens públicos não é algo fácil. Mas talvez esse seja o caminho para tornar o trânsito mais humano e seguro. E, quem sabe, para começar a mudar o próprio sistema político. Afinal, a partir do momento em que nos conscientizarmos da importância do respeito aos bens coletivos, como as ruas e avenidas, poderemos passar a não transigir mais com os desvios de conduta dos políticos.
Não é simples coincidência o fato de que os países com trânsito mais seguro sejam justamente as democracias consolidadas, onde há um maior respeito às leis tanto da parte da população como dos governantes.
Fernando Martins é jornalista.
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