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Atribui-se à rainha Ma­­ria Antonieta o desastroso conselho aos franceses famintos de que eles deveriam comer brioches diante da falta de pão. Historiadores renomados di­­zem que ela nunca chegou a pronunciar tais palavras. Mes­­mo assim, o rumor de que havia dito o que não disse ajudou a catalisar a insatisfação latente do povo, que culminou na Revolução Francesa, no fim do século 18. De certa forma, a frase nunca verbalizada simbolizou a insensibilidade da elite dirigente incapaz de perceber as necessidades do povo.

Revoltas populares, não raras vezes sangrentas e com resultados imprevisíveis, costumam eclodir quando dois elementos-chave se somam. A base das revoluções costuma ser um grave problema na economia, com empobrecimento e falta de perspectivas às pessoas. O estopim, porém, normalmente está associado à percepção de distanciamento insolúvel entre os cidadãos e a classe dirigente – cada vez mais rica, corrompida e insensível.

Só para ficar num exemplo mais recente, foi essa a equação que resultou na derrubada da ditadura na Tunísia e nos protestos do Egito pela saída do ditador Hosni Mubarak, no poder há 30 anos.

Os mesmos elementos também estão presentes em mudanças políticas conduzidas por líderes populistas e "moralistas" que investem contra a corrupção estabelecida e a pobreza para mudar as regras de forma legal – não raras vezes num processo que conduz a crises institucionais e a rupturas bruscas da ordem instituída, redundando em regimes fechados.

A ascensão do nazismo, por exemplo, começou de forma democrática em uma Ale­­manha com a economia arrasada pela I Guerra.

No Brasil, o ex-presidente Jânio Quadros se elegeu prometendo varrer a corrupção. Ao renunciar, tentou dar um golpe para voltar nos braços do povo e com mais poderes. Mas acabou na verdade iniciando um processo histórico que culminou na ditadura militar.

Muitos outros mandatários de países latino-americanos, desprovidos de qualquer pendor democrático, chegaram ao poder eleitos porque a população estava profundamente insatisfeita com a insensibilidade da antiga elite dirigente.

Mas, enfim, o que esses casos, os brioches de Maria Antonieta e as revoltas populares como as do Egito têm a ver com o Brasil de hoje? Ao menos um dos elementos que levou os franceses do século 18 a decapitarem a rainha e os egípcios contemporâneos a protestar nas ruas está presente no país em que vivemos: a percepção de que os dirigentes da nação estão de um modo geral distantes da população.

O Brasil está longe de uma crise econômica que possa levar a uma revolta popular. Mas a insensibilidade de quem detém o poder, diante de demandas sociais, como o combate à corrupção e o fim dos privilégios dos políticos, é a semente de algo que ninguém sabe no que pode resultar.

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