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Em tempos nos quais governos cogitam fechar escolas para economizar dinheiro, vale a pena refletir um pouco sobre o pensamento do professor de Literatura e filósofo italiano Nuccio Ordine Diamante, que pode ser expresso numa singela história que ele costuma contar a seus alunos, relatada numa reportagem do jornal O Estado de S. Paulo de fevereiro de 2014. Um peixe encontra ao acaso outros dois peixes e se dirige a eles: “Bom dia, como está a água hoje?” A dupla, cordialmente, cumprimenta o interlocutor, mas segue nadando e, logo adiante, um pergunta ao outro: “Que diabos afinal é água?”

Ordine reconhece que seus alunos costumam “boiar” e não entendem de imediato o que ele quer dizer. Mas o professor, então, explica: nem sempre as pessoas se dão conta do ambiente em que vivem. E a água das sociedades humanas é a cultura, as artes, a literatura, a ciência, os valores, o ensino. Uma água boa, pura, propicia o surgimento da democracia, dos ideais de liberdade, justiça, igualdade, tolerância, solidariedade. Mas em águas poluídas florescem a corrupção, o materialismo, o autoritarismo, a violência, o preconceito.

Mas o que, então, contamina a água social? Para Ordine, a principal ameaça na atualidade é mentalidade de que tudo (incluindo a cultura) tem de dar resultados práticos, sobretudo financeiros. Dar lucro, enfim.

O fechamento de escolas motivado por uma mera adição ou subtração de cifras é um exemplo dessa lógica utilitarista. Mas está muito longe de ser a única.

A água das sociedades humanas é a cultura, as artes, a literatura, a ciência, os valores, o ensino

Ordine observa que colégios e universidades também foram contaminados e muitos buscam essencialmente produzir mão de obra para o mercado de trabalho. Grande parte dos estudantes, por sua vez, vê na educação apenas uma forma de obter benefícios pessoais: tirar um diploma que lhes assegure um bom emprego que, de preferência, garanta dinheiro suficiente para ter uma vida com todos os confortos e prazeres que possam ser comprados. No entanto, diz o italiano, o conhecimento genuíno é a antítese disso: não se compra; conquista-se com esforço e dedicação. Pode-se adquirir um canudo de faculdade. Mas não o saber.

Obviamente, conhecimento produz resultados práticos. Mas não só isso. Mesmo aqueles saberes tidos como inúteis na lógica atual – caso das artes, por exemplo – têm mais utilidade do que se imagina. Ordine exemplifica: ir a um concerto musical não dá lucro. O que move alguém a sair de casa é tão somente o amor desinteressado pela música. O professor italiano afirma que é tal desprendimento que torna homens e mulheres mais humanos e, consequentemente, faz as sociedades melhores. E isso não se aprende senão pela cultura.

Constatação semelhante tem o filósofo francês Luc Ferry. Para ele, o ensino da literatura e das artes ergue uma barreira contra a ideia de que tudo o que há de bom na vida só pode ser adquirido com dinheiro. Com elas, se aprende o valor da beleza. E, como disse o escritor russo Fiodor Dostoievski, “a beleza salvará o mundo”.

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