Um Estado que incentiva a ilegalidade

O princípio básico dos regimes democráticos é que todos – sem exceção – devem cumprir a lei. Mas o Estado brasileiro, que deveria ser o primeiro a defender a legislação, muitas vezes mais parece promover a contravenção ao armar verdadeiras arapucas para "pegar" o cidadão – seja pela incompetência administrativa, pelo exagero no número de regras e compulsão por mudá-las a todo momento, pelo excesso de burocracia ou pelos maus exemplos que as autoridades dão para a população.

A extensa fila do Detran do Paraná para a renovação da carteira de habilitação é um dos casos mais emblemáticos de como o Estado incentiva as pessoas a ficarem à margem da lei. O cidadão quer cumprir a legislação. Procura o órgão competente para prestar o seu dever cívico. Mas a falta de estrutura governamental o leva a esperar tanto ao ponto de cogitar a ideia de dirigir o carro sem a carteira renovada, descumprindo o Código de Trânsito. Provavelmente há centenas, senão milhares, de paranaenses que hoje vivem esse dilema.

Já a declaração do Imposto de Renda, cujo prazo para a entrega à Receita Federal termina no fim deste mês, se encaixa no caso do incentivo ao descumprimento legal pelo desconhecimento das regras. As normas do IR são tão extensas e mudam tanto ao longo dos anos que é comum que os contribuintes caiam na malha fina por descuido na hora de preencher o formulário. Nessa mesma situação estão muitas empresas que não têm estrutura jurídica e se perdem no cipoal de leis tributárias.

A burocracia é outra pedra no caminho de quem quer cumprir a lei. Pequenos empreendedores, para formalizar seu negócio, precisam passar por uma série de órgãos públicos, tirar uma lista de certidões disso ou daquilo, autenticar outra série de documentos... Convenhamos, é uma burocracia que dificulta principalmente a vida de pessoas mais simples. E, embora o tempo médio para abrir um negócio no país tenha caído de 152 dias para 20, de acordo com um levantamento recente do Sebrae, o país ainda fica bem atrás de nações desenvolvidas, como os Estados Unidos, onde se abre uma empresa em 6 dias.

Por fim, o quesito "exemplo" talvez seja o pior de todos. Grande parte de nossas autoridades políticas definitivamente não costuma cumprir a lei. Os casos estão todos os dias estampados nas manchetes dos jornais. O mau exemplo dos políticos, embora não justifique contravenções praticadas pelo cidadão comum, cria um ambiente em que o respeito à legislação é relativizado. Com isso, a própria noção de democracia enfraquece.

Fernando Martins é jornalista.