Para quem gosta e acompanha cinema, a semana passada foi pouco entusiasmante. Primeiro, morreu o produtor Herbert Richers, 86 anos. Para a turma mais nova, talvez um completo desconhecido. No máximo, o tal "versão brasileira, Herbert Richers", do aviso na televisão. Ele foi bem mais que isso. Produziu muitos filmes entre 1950 e 1970, entre eles O Assalto ao Trem Pagador, de 1962, de Roberto Farias. É a história do ataque ao trem que transportava "milhões de cruzeiros" para o pagamento do pessoal da Central do Brasil (1960).
Pelo esmerado planejamento, a polícia não teve dúvida: era coisa de fora, internacional. Uma ousadia, sem trocadilho, cinematográfica. Não poderia ser "coisa de brasileiro". Rezava o velho complexo de cachorro sem dono, mais a herança da casa grande e a senzala: tinha dedo de estrangeiro. Grilo (Reginaldo Farias, irmão do diretor) é o sujeito que se apresenta como enviado e preposto do chefão, sintomaticamente identificado pelo codinome "Engenheiro". O sem-diploma Tião Medonho (Eliezer Gomes) é cooptado e, com ele, outros favelados.
Firmam um pacto: para não despertar suspeitas (no morro), a parte de cada um na bolada só poderia ser gasta um ano depois. Grilo, no entanto, que tem "olhos azuis" e é da Zona Sul, rompe o acordo. Alega que o Engenheiro prepara um novo golpe, mas o que quer mesmo é se livrar de Tião Medonho e dos demais. Não convence. Cai em poder do resto da gangue e será justiçado. Cara a cara, Tião ouve um monte de provocações ("macaco", "eu sou branco", "eu tenho olho azul"). Mas não vacila, executa Grilo com um tiro. E ordena:
Joguem o corpo no rio pros peixes comerem os olhos azuis dele.
A polícia acaba fechando o cerco à quadrilha. Tião é baleado e morre no hospital (detalhe, não morreu "a caminho do hospital"). Perdura até hoje o mistério: quem seria o Engenheiro? Teria existido?
Em tempo: ao contrário de Reginaldo, Grande Otelo, Átila Iório, Helena Ignez, Ruth de Souza e Jorge Dória, Eliezer não era ator profissional. Foi uma aposta de Roberto Farias. Feliz descoberta, já que se saiu muito bem.
Mais cinema, agora Lula, o Filho do Brasil, de Fábio Barreto. Um dos jurados do Festival de Brasília, Washington Araújo abriu a caixa de ferramenta, como diria Beronha. Publicou no Observatório da Imprensa o artigo "O que a imprensa viu na estreia". Trechos: "Não sei o que aconteceu com nossos principais jornais, mas o fato é que trataram de quase tudo, menos do filme. Disseram o que desejavam dizer e escreveram muito sobre nada. (...) Barreto optou por uma obra contida. E acertou em cheio. É que não existe um personagem a ser construído, e sim uma história a ser contada na tela. (...) Em um primeiro ato tem-se o primitivo e alienado, que em um segundo momento se revolta, combate e que por fim articula e é capaz de influir no seu próprio destino. Assistíamos naquele ambiente que apenas a magia do cinema pode evocar à vitória dos que já nasciam marcados para o fracasso e à celebração do improvável sobre o provável. E nada disso foi notícia nos jornais".
De fato, ou, de facto, como diria Natureza Morta.
Francisco Camargo é jornalista
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