Bariloche, alguns poucos anos atrás, a caminho de Cerro Catedral, eis que a van entulhada de brasileiros empaca na neve. Empaca e afunda até encobrir os pneus. Aficcio­nado (a distância) do snowboard, Natureza Morta teme a perda de tempo e não esconde a aflição, enquanto Be­­ro­­nha, que de neve só conhecia o papel higiênico, e de propaganda, dá mais uma talagada na barrica de co­­nhaque (barrica igualzinha àquelas do pescoço de cães de socorro da Cruz Vermelha). "É pra esquentar o pelo." Detalhe: na época, "pêlo" carregava obrigatoriamente o simpático chapeuzinho, o que lhe dava, aliás, muito mais charme. "Comigo nada de snowboard nem esqui. Quando muito, esquibunda. E de preferência no Morro do Careca, em Natal."

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A montanha fica a 25 minutos de Bariloche, mas as coisas se complicam quando as nevascas exageram na dose, o que é ótimo para visitantes e agências de turismo, mas não tanto para o pessoal de apoio, começando pelos motoristas. E lá estamos nós, tal qual lata de sardinha na neve. A única coisa que passa é o tempo. Lá pelas tantas, por conta da demora em chegar ajuda da municipalidade, o guia argentino esbraveja:

– Nessa época, todos os anos, as nevascas são fortes. Todo mundo sabe disso, todo mundo, menos os engazopadores da prefeitura...

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De fato: em toda a cidade, a neve de um dia acumulava-se com a de dias anteriores e a dos dias seguintes, e não se via uma máquina em ope­­ração para "limpar" ruas e estradas. Muito menos no sopé de Cerro Ca­­tedral. A saída veio bem à brasileira. Entre brincadeiras e gozações (não em cima de los hermanos, é claro, porque nas circunstâncias nem Beronha, nosso anti-herói, teria coragem para iniciativa tão temerária), permanecemos no aguardo, cantando tangos de Gardel. Algum tempo depois (Deus é brasileiro ou argentino?), eis que surge, tal qual num filme de neve americano, uma salvadora caminhonete cheia de correntes no rodado. A propósito: existe uma tese segundo a qual Deus não é de fato argentino, mas mantém um escritório em Buenos Ai­­res. É o que garantem os portenhos.

Mas o caso de Bariloche veio à mente do solitário da Vila Piro­­qui­­nha ao ler, nesta semana, "Cober­tura da tragédia – Chuva turvou o olhar da imprensa", artigo do jornalista científico Júlio Ottoboni, no "Observatório da Imprensa". Júlio, além de amigo, é um baita profissional que se especializou numa área do jornalismo e que, por isso, sabe muito bem o que está dizendo. "A frente fria que subiu pelo Atlântico costeando o continente no final de 2009 causou morte, destruição e expôs novamente a superficialidade das coberturas jornalísticas quando a questão envolve clima e desastres naturais. Os questionamentos são os mais rasos possíveis e apelativos ao explorar o drama pessoal com doses do oportunismo que move os medíocres", diz.

E mais: "O drama, é claro, deve ser mostrado, mas também há a responsabilidade inerente do jornalismo em apresentar o cenário com todas suas variantes – e isto tem sido, comodamente, deixado de lado". Segundo Júlio, tratar das chuvas em Angra dos Reis e em São Luiz do Paraitinga é ficar na superfície da questão. "É preciso buscar as reais causas desses desastres, sejam elas provocadas por ações naturais ou antrópicas." Vale a pena ler o texto do bravo Julinho na íntegra. Tá lá, no Observatório.

Francisco Camargo é jornalista.

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