Pobre só vai pra frente quando tropeça. Ou quando a po­­lícia corre atrás. Ou, en­­tão, quando lota o ônibus e o cobrador grita: "Mais pra frente, faça o favor!" Como estamos celebrando os 150 anos de A Origem das Espécies e os 200 do nascimento de Charles Darwin, Natureza Morta recebeu na mansão da Vila Piroquinha a inesperada visita do Beronha. Aflito, nosso anti-herói queria saber coisas da tal "teoria da evolução". O máximo que conseguiu absorver de exemplos de avanço, no Google boteco que frequenta, foram as três pilhérias que abrem a presente coluneta.

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Com paciência de Jó (muita, até porque é usuário do SUS), ensaiou algumas explicações, mas desistiu. Não reúne nenhuma das virtudes do personagem do Velho Testamento, começando pela perseverança, é claro. Além disso, apesar do evolucionismo, ainda reza pela cartilha do "cada macaco no seu galho". E mandou a bola pro mato, no caso, Beronha para a biblioteca. E tal qual o famoso passageiro do Beagle, em busca de respostas.

Em todo o caso, e como insistem em ressuscitar figuras como Lom­­­­broso e Gobineau, vale a pena be­­­­ber de fonte segura. Natureza in­­dicou, então, duas edições da re­­vis­­­­ta Pesquisa, da Fapesp, que trazem respostas. As primeiras, do tex­­­­to de Carlos Haag "O elo perdido tropical", edição de maio. Trans­­crição de alguns trechos: em 1832, Darwin, que passara quatro me­­­­ses por aqui, retornava impressio­­nado com o que vira. "De­­lícia é um termo insuficiente pa­­ra exprimir as emoções sentidas por um naturalista a sós com a na­­tu­­reza no seio de uma floresta bra­­sil­­eira." O país, porém, aparece de for­­ma bem menos idílica: "Espero nun­­­­ca mais voltar a um país escravagista. O estado da enorme população escrava deve preocupar to­­dos que chegam ao Brasil. Os se­­nhores de escravos querem ver o ne­­gro como outra espécie, mas te­­mos todos a mesma origem num an­­­­cestral comum". "Até hoje, se eu ouço um grito ao longe, lembro-me, com dolorosa e clara me­­mó­­ria, de quando passei numa ca­­sa em Pernambuco e ouvi os ur­­ros mais terríveis. Logo entendi que era algum pobre escravo que es­­tava sendo torturado. Eu me senti impotente como uma criança diante daquilo". Para ele, não ha­­via diferença entre "raça" e "es­­pé­­cie" e sua pesquisa sobre a origem das espécies é também sobre a origem das raças, incluindo-se os hu­­manos. Da edição de março, "En­­tendendo Darwin", de Mário de Pinna: "Ele entendeu que a vida em nosso planeta está unida por u­­ma rede de relações genealógicas, criada por um processo de des­­cendência com modificação. As­­sim, todos os seres vivos são relacionados por descendência co­­mum, em graus variados de pa­­rentesco. A diversidade da vida é u­­ma função do tempo: os seres vi­­vos são diversos porque se tornaram diversos ao longo do tempo, e não porque foram criados diversos".

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Beronha não evoluiu nem regrediu. Saiu como entrou.

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Correção: a Avenida Atlântica fica em Copacabana, e não em Ipanema, ao contrário do que saiu na semana passada. Por causa disso, Natureza levou cartão amarelo; Beronha, um sempre merecido vermelho.

Francisco Camargo é jornalista.

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