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José Carlos Fernandes

A visita do ilustre Alfred Willer

 | Foto: Rafael Silva / Arte: Felipe Lima
(Foto: Foto: Rafael Silva / Arte: Felipe Lima)

O arquiteto Alfred Willer, 84 anos, é um homem alto. "Alto" no sentido atribuído pelos ingleses, quando querem dizer que alguém tem estirpe. Semana passada, o altivo Willer se sentou numa das modestas cadeiras da Escola Municipal Nossa Senhora da Luz, na CIC, para ser sabatinado por crianças e professores. Foi dia de festa, digna de fanfarra: sua visita era esperada... há quase cinco décadas. Aos fatos.

Willer projetou o "Grupão", como o local é chamado, em 1966, em parceria com Roberto Gandolfi. A dupla tem o nome cravado no livro de ouro da arquitetura. Um prédio assinado por eles, na Vila Nossa Senhora da Luz, equivale à impressão causada quando sabemos que Niemeyer assinou casas nos subúrbios cariocas, para a gente humilde com quem se dava.

Essa conversa não fica só na papa-fina distribuída para as massas. Com folga, o "Grupão" figura entre os mais bonitos da cidade. O imenso pátio coberto e o revestimento em madeira nobre contrastam com o visual de supermercado que impera nas novas instituições de ensino. Mesmo assim, por questões que, como homem elegante, se furta de comentar, o arquiteto nunca mais voltou ao local.

O jejum de 48 anos teve de ser rompido por causa de uma equipe de documentaristas da República Tcheca. Explico. O jovem Alfred tinha 17 anos quando trocou a cidade de Pilsen pelo Brasil. Não tem sombra de sotaque, mal dá para desconfiar. Mas eis que de repente os tchecos se deram conta dos feitos do filho ilustre exilado nesses confins. Marcaram a passagem.

Daqui a sete dias, vão desembarcar para entrevistá-lo e filmar sua obra. Fizeram exigências. Na lista de locações, querem a escola e a periferia que foram tocadas pelo talento de Willer. Daí a visita tardia do velho senhor, para conferir se houve estrago. Surpresa. Não só viu que tudo estava em pé, como se deparou com uma cascata de factoides que se esforçou em dizimar. "Não, não é verdade" foi a frase que mais disse nas horas que passou na vila.

Para um séquito de guris boquiabertos, informou que não, não havia um cemitério índio no terreno onde está a escola. O vento não é alma penada, é encanado. Não, o projeto não foi feito para ser erguido numa calorenta aldeia da África Subsaariana. Se faz frio dentro do "Grupão" é porque o Gandolfi pode ter se atrapalhado na climatização.

A questionamentos tantos, a conversa saiu da porta para fora. Willer é também autor da Vila Nossa Senhora da Luz. Sua equipe a desenhou a pedido do prefeito que Curitiba amou, Ivo Arzua. Quis-se saber se tudo o que a gente ouviu dizer sobre o assunto está errado. "Quase", sugeriu um fleumático Alfred.

A desfavelização figurava entre as promessas desenvolvimentistas dos militares, ao tomarem o poder, em 1964. Comunidades imensas e iguaizinhas como um cemitério de guerra eram erguidas, às pressas, para abrigar moradores de barracos. Ao descer dos caminhões, encontravam um teto, mas também estigmas tão traiçoeiros quanto os que sofriam antes. O cenário é bem descrito no filme Cidade de Deus, de Fernando Meirelles. A "Cidade...", no Rio de Janeiro, foi o primeiro bairro brasileiro do gênero. O segundo, a Vila Kennedy, também no Rio; o terceiro, a Vila Nossa Senhora da Luz, em Curitiba.

Sabe-se que as primeiras Cohabs fizeram longa carreira nos noticiários policiais. Mas nossa vilinha pioneira merece um aparte. Willer e sua turma desviaram dos erros comuns às "BNHs". As mais de 2,1 mil casas não eram monotonia só. Havia recuos diferentes, cores nas janelas e, em 800 delas, um sótão de madeira, invocação às moradias de imigração. O arquiteto admite que a vila não conseguiu acabar com as favelas, como se prometeu. Eram 22 nos anos 60, habitadas por algo como 1,5 mil famílias. O resto do rosário de críticas, rejeita.

A "Luz" tem 120 ruas, a maior parte delas com seis metros de largura. Um aperto. Mas... "Não eram ruas, eram calçadas", devolve, chamando atenção para a magnitude de seu projeto – "feito para pedestres". Quem errou? Um prefeito doido por passar asfalto. Não, não havia cadeia para bandidos, tantos teriam se mudado para a região, nos idos de 1966. Faltou água, é verdade, mas a Cohab levou para lá uma caixa de água gigante. Sim, teve morador que plantou flor no vaso sanitário – mas esse era um problema das primeiras 500 famílias. Por aí vai.

Ele se cansa. Até que se despede – voltará amiúde, com os tchecos a tiracolo. Em dias, a vila vai ficar mais famosa do que já é. Mas dá para apostar – entre a imaginação e a verdade, vence a primeira. A fundação da Nossa Senhora da Luz é nosso faroeste curitibano. Todo mundo adora contar com tintas fortes o que se deu lá. O senhor Willer que não seja um desmancha-prazeres.

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