Onde todo mundo ficava bonito
Em 2007, José Carlos Fernandes revelou um pouco do universo do estúdio Foto Brasil.
Durante sete décadas curitibanos puseram traje de gala para tirar retrato na Foto Brasil, o mais famoso do Paraná.
Aconteceu na fila do supermercado, dia desses. "O senhor não é o Bubi da Foto Brasil?", perguntou uma mulher para o veterano Erwin Jacobs, 79 anos, vulgo Bubi. Ficou surpreso, de fato. Não esperava, a essa altura, que alguém ainda lembrasse do estúdio fechado em 2001, a seu ver, tempo o bastante para cair no limbo. Ou pelo menos assim quer acreditar. Esse texto é para pedir que reveja seus conceitos.
A Foto Brasil foi criado em 1931, na Rua XV de Novembro, 94, pelos irmãos Erich e Walter Jacobs. Cinco anos depois, a dupla de luteranos alemães emprega o judeu polonês Isaac Kriger, um foragido da guerra anunciada, selando a paz universal. Formava-se, aos poucos, a imbatível Jacobs, Kriger e Cia, preferida da freguesia por nada menos do que sete décadas. A Foto Brasil não era a mais barata: era a melhor, razão suficiente para que milhares subissem a escada de madeira que rangia horrores e esperassem a hora de ser atendidos. Sim, fazia fila. De casais, escoteiros, oficiais do NPOR, infantes no dia da primeira comunhão, emergentes e assalariados.
O baixinho Kriger até podia ser a estrela da casa. Uma figura. Se preciso fosse, equilibrava-se na ponta de uma cadeira para conseguir a melhor foto. Tinha se safado de coisa bem pior. Muitos se lembram dele com o espanador na cara das crianças, para que sorrissem antes ou depois de espirrar. Nas horas vagas, tocava bandolim. Mas, justiça seja feita, 50% da fama da Foto Brasil se devia a Bubi, mesmo sendo um tipo arredio, que gostava de ficar no último andar, fazendo o que a clientela esperava que fizesse retoques nos negativos com breu, terebintina e lápis, tecnologia disponível na pré-história do photoshop.
Erwin, o Bubi, foi um guri como tantos do bairro São Francisco reduto da comunidade alemã da Curitiba antiga. Subia o Pico do Marumbi e bem se lembra de suas andanças de mocidade ao lado dos caras que foram o suprassumo daquela geração, gente como o futuro ambientalista Henrique Schmidlin, o Vitamina, e José Kalkbrenner Filho, o Kalk, um dos decanos da fotografia no Paraná.
Quanto a ele, sonhava ser engenheiro agrônomo, trabalhar na Klabin e fazer a vida boa no interior. Foi um projeto, até ser informado de que seu tio Walter precisava dele na Foto Brasil. E nem um pio. Os colegas dos fotoclubes uma onda, então dariam piruetas, mas ele se sentiu mandado para a Ilha de Alcatraz. Não dava a mínima para fotografia. Além do mais, tinha o sonho da agronomia e o namoro engatado com a bela Clair Becker, sua vizinha.
O fotógrafo não lembra quem lhe ensinou a fazer retoques talvez alguma tia que, antes dele, se aventurou pelas lides do pictorialismo. Espécie de pintura sobre a fotografia, esse ofício em desuso pode ser definido como uma tentativa ingênua, em tempos idos, de dar status de arte a um processo mecânico, como se fosse preciso. Exige perícia, no que a Foto Brasil não decepcionava. Imagens pintadas hoje nos acervos do Museu da Imagem e do Som e da Casa da Memória ficavam expostas nas paredes, deixando a clientela embasbacada com aquelas noivas com panca de Grace Kelly, crianças rosadas como Shirley Temple, todo mundo com cara de rico, feliz e candidato a uma vaga na Metro Goldwyn Mayer. Pictorialismo tinha dessas coisas.
Bubi sentia urticárias a retocar fotos de debutantes. Fazia melhor: retocava, sem uso de cor, as banais fotos 3x4 usadas para matrícula escolar, currículo, documentos em geral. Milagre. Alçou esses retratos funcionais ao status de obra-prima. Todo mundo ficava bonito. Eles, um pão. Elas, um desacato. De modo que as "fotinhas" ganhavam lugar de honra na carteira e, não raro, eram enviadas aos paqueras. Funcionava. Romances nasciam dos ajustes feitos por Bubi. Detalhe não era mentira. A gente se identificava com o resultado, convencido de que a Foto Brasil tinha captado o nosso melhor momento. Entende? Não raro alguma freguesa se atirava no pescoço do Bubi, agradecida.
"Será que o pessoal não jogou tudo isso fora?" Faça-nos o favor, mestre Bubi. Dá para imaginar o infinito de 3x4 preservados em álbuns e gavetas por aí. Outros estão na lápide dos cemitérios, que ninguém quer passar para o lado de lá com a cara amassada. Com todo o respeito aos agrônomos, se Erwin Jacobs fosse um deles Curitiba teria sido privada do Bubi da Foto Brasil. Nem pensar. Bem dizia o poeta, a vida tem sempre razão.
Mister Bubi
Ele era um jovem candidato à faculdade de agronomia quando, no final dos anos 1950, foi convocado a trabalhar no estúdio da família, a Foto Brasil, na Rua XV, 94. O comércio funcionava num sobrado eclético e ficou aberto 70 anos. Neste tempo todo, virou sinônimo de boa fotografia. Antes do Calçadão, em 1972, filas se formavam na frente do local para retratos de Primeira Comunhão e casamentos. Erwin Jacobs, o Bubi, se especializou em retoques de negativos. Seguindo a tradição do pictorialismo pintura sobre fotografia fez das banais fotos 3X4 uma espécie de fetiche curitibano. Aposentado, Bubi, 79 anos, vive com a mulher, Clair, 72, no bairro São Francisco.
Confira ensaio fotográfico de Bruno Covello
Mister Bubi
Dê sua opinião
O que você achou da coluna de hoje? Deixe seu comentário e participe do debate.