| Foto: Foto: Walter Alves/Gazeta do Povo. Arte: Felipe Lima

Não esqueço a primeira vez em que vi Leonardo Arruda, o Léo. Foi há sete anos. Fiapo de gente, entrou pianinho na Gazeta do Povo, sob as asas do diretor de redação à época – Arnaldo Alves da Cruz. Passou de mesa em mesa, vendendo adesivos a preços de ocasião. Não nos restou saída senão sacar uns tostões em troca de figurinhas que bem ficariam nas agendas dos colegiais, nunca em nossas folhas de pauta.

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Dizíamos "Arnaldo, o Estatuto da Criança e do Adolescente não permite..." Em vão – o jornalista, para quem o conheceu, era homem de causas secretas e nervos expostos. Puxara conversa com Léo num café-lotérica da Lourenço Pinto, aqui ao lado. Dou um braço que decidiu apresentá-lo aos repórteres com a intenção de nos atiçar. "Como é que nenhum de vocês tinha reparado num meninote em roda do balcão?" Arre.

Pouco tempo depois, o Arnaldo se foi para o andar de cima, deixando inacabada sua cruzada. Já Léo trocou os adesivos por chaveiros e balas de goma. Há três anos, entrou para o ramo dos quadrinhos, desenhados de próprio punho e vendidos a R$ 1. Vendeu-os ao editor Ricardo Medeiros, que trouxe os HQs para a redação. Com os sulfites A4 vieram o Leonardo – dessa vez para uma entrevista.

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O guri espichou pouco desde a última vez. É um "peso-pena". Aos 15 anos, tem 1,54 metro e 40 quilos. Os óculos de catedrático, a meia cabeleira longa e a fala de vendedor de seguros fazem dele uma espécie de Mickey Rooney, o garoto-prodígio. Lá pelas tantas de nossa prosa contou estar lendo Os miseráveis, de Victor Hugo. Anda às voltas com os pobres Cosette, Fantine, Marius e o ex-detento Jean Valjean. E não só na ficção.

Aos fatos – Léo e sua mãe, Leocádia, figuram entre os 33 mil moradores do Centro. O que é para nós lugar de passagem, para eles é quintal da casa. O guri almoça no R$ 1 da Rua Carlos Caval­­­canti, faz tarefas escolares na Biblioteca Pública e é capaz de listar os dez lanches mais baratos entre a Silva e a Stellfeld. "McDonald’s? Tá doido – isso é comida de milionário", corrigiu-me.

A venda de quadrinhos faz parte da estratégia do Léo para se vestir, ter créditos no celular vez em quando e, com sorte, trocar de tênis. Por isso, não lhe aborreçam perguntando de sonhos, ó, esse fetiche burguês. "A vida é bem meia-boca, né", resume o tico, com o tédio de um velho existencialista tragado pela fumaça de uma cave parisiense.

Mas vá lá – admite que gostaria de ter um computador e não mais tilintar trocadinhos nas lan-houses. Seu senso de empreendedor deixa boquiaberto. Léo faz os quadrinhos em capítulos, garantindo a expectativa do público. "Volto amanhã", diz. Vende em shoppings para não ser confundido com desocupados. O visual Harry Potter lhe garante trânsito livre nas muralhas do consumo, ufa. Para ser bem-sucedido, ensina, aborda rapazes com a namorada: eles sempre compram para impressioná-las. Casais com filhos, idem – são amolecidos. Um coração de manteiga lhe pagou "cenzão" por um lote de desenhos. Foi no Itália.

Não raro, nosso marqueteiro faz séries sob encomenda, como as desenhadas para atendentes de uma concessionária, consumidas diante da inteligência e da franja Ronnie Von cultivada por Léo. Chega a ser melancólico – ele não se vê artista, mas como um pragmático contabilista. "Preciso mudar de ramo. O público se cansou da família Bolota, assim como dos Panacas. Me sugeriram escrever histórias religiosas. Sei não."

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Nem me benzo. "Os Panacas"? Quero é saber dessas criaturas tiradas de circulação. Me conta: um panaca tem a língua presa, o outro é palhaço, do último mal se lembra. Para explicar como agiam, sem saber recorre à "jornada do herói", de Joseph Campbell. "Meus personagens levam uma vida comum – até que algo extraordinário lhes acontece...". Bom – Léo é adolescente. O extraordinário pode ser uma invasão de zumbis, a compra de um carro último tipo, mas também dilemas de ordem financeira, sua especialidade.

Só que enjoou da brincadeira. Enquanto não decide o próximo negócio, nosso Léo devora Os miseráveis. E segue disputando airosas partidas de dama e trilha com a mãe.

Sempre ganha, aliás.

P.S. Encontrei Leonardo dia desses. A mãe lhe "tirou" o micro. Economizará nas lans. E acha que vai virar designer de jogos.

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