Sérgio Augusto Dibner Maravalhas, 44 anos, representante comercial, morador da Boa Vista, nesta, deixa lavrado que deseja criar uma nova ordem social e que para tanto tem trabalhado. Declara-se cidadão, a quem interessar possa.
Sua indignação cívica tem data de nascimento, 1997, ano em que se exonerou da Assembleia Legislativa do Paraná. Oficialmente desocupado, aventurou-se pelos porões da burocracia, de onde não sairá tão cedo.
Hoje, move pelo menos uma centena de processos e reclamações. Apenas no Ministério Público Federal já protocolou 40 procedimentos, sem mais. Com folga, é o recordista de ligações ao 156. "Não existe ninguém igual a mim", gaba-se. Abaixo, assinado.
O preço tem sido alto. Nunca lucrou um tostão pelas horas gastas à espera de um carimbo com rubrica. Chamam-no de chato já pela frente. Atura os funcionários que se escondem ao vê-lo cruzar a repartição. O altão grisalho e bem-posto num terno não engana: eis o cidadão Maravalhas em ação.
Cá entre nós, ele faz os estardalhaços que gostaríamos de ter feito. Em 13 de junho último, durante o velório da avó, Julieta Dibner, não havia aquecedores na Capela 2 do Cemitério Municipal. A sensação era de dois graus negativos. No dia seguinte, nasceu a queixa fúnebre. A resposta da administração foi de chorar: "Nem tudo é perfeito."
Mas não vem que não tem. "Até Paris pode ser melhor do que é, por que não Curitiba?", pergunta. A começar pela Viação Glória, sua vizinha, com quem troca farpas há uma década, passando pelos órgãos de saúde, sobre os quais atira flechas. Tempos atrás, depois de esperar três horas por um médico, optou pelo remédio da queixa em papel timbrado. Não curou, diz, mas pôs para correr.
A essas atas de reclamações, some-se a Câmara Municipal, seu púlpito de cidadania. Ele afirma que se deixassem, desenvolveria ali projetos próprios, como a incorporação de Colombo e Almirante Tamandaré ao município. "Curitiba não tem mais para onde crescer", argumenta. Um vereador de maus bofes, inclusive, já mandou deixar o currículo de Maravalhas na porta do remetente. Mais direto, impossível.
Acuado, resta-lhe caminhar na linha do trem. Adivinhem? Meses atrás, reparou nos dormentes em petição de miséria. Alto lá. Calculou o peso de um vagão e o tamanho do estrago. Acionou a ALL. Protocolou. Espera, com paciência de Jó.
Esperar, aliás, é sua sina. Espera indenizações do Estado. Espera isso e aquilo. Enquanto não vem, arruma sarna para se coçar. Basta ir ao banco. Numa manhã, é a porta giratória que emperra, mesmo quando a gente tira até o metal dos dentes. Noutra é uma taxa nova por um comprovante qualquer. Tasca uma carta algo assim: "Meritíssimo juiz, R$ 0,70 pelo que vale R$ 0,05. Pode?"
Uma de suas brigas mais feias foi com o Detran. Reprovado num teste, só faltou queimar pneus na João Negrão, sem sucesso. Restou-lhe tentar habilitação em Gurupi, no Tocantins, onde foi tão bem tratado que agora carrega na lapela um boton com emblema do estado. Como diriam Clotildes e Teresas, ainda tem gente boa neste mundo.
O próprio, inclusive. Ao ver alguém em apuros, recomenda um dos muitos 0800 que sabe de cor. "Sou um ímã", repete, lembrando da suicida que convenceu a não se atirar no Viaduto da XV. E da mulher que o confundiu com um pastor. "Ela gostou da conversa, agradeceu a Jesus, mas fui eu, fui eu", brinca. Dessa vez, não rolou processo, uma proeza na vida do cara que registrou queixa contra uma loja de calçados por ter ganhado bolhas nos pés.
Verdade seja dita, Sérgio faz barulho, mas é educado, estudou no Nossa Senhora Menina. Mesmo assim, há quem quase lhe bata continência. "Quando digo que me chamo Maravalhas, tem quem se assuste." Cada uma.