| Foto: Foto: Daniel Castellano / Arte: Felipe Lima

Sérgio Augusto Dibner Ma­­ra­­valhas, 44 anos, represen­­tante comercial, morador da Boa Vista, nesta, dei­­xa lavrado que deseja criar uma nova ordem social e que pa­­ra tanto tem trabalhado. Declara-se cidadão, a quem interessar possa.

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Sua indignação cívica tem da­­ta de nascimento, 1997, ano em que se exonerou da Assem­­bleia Legislativa do Paraná. Oficial­­men­­te desocupado, aventurou-se pelos porões da burocracia, de onde não sairá tão cedo.

Hoje, move pelo menos uma centena de processos e reclamações. Apenas no Ministério Pú­­bli­­co Federal já protocolou 40 procedimentos, sem mais. Com folga, é o recordista de ligações ao 156. "Não existe ninguém igual a mim", gaba-se. Abaixo, assinado.

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O preço tem sido alto. Nunca lucrou um tostão pelas horas gastas à espera de um carimbo com ru­­brica. Chamam-no de chato – já pela frente. Atura os funcionários que se escondem ao vê-lo cru­­zar a repartição. O altão grisalho e bem-posto num terno não engana: eis o cidadão Maravalhas em ação.

Cá entre nós, ele faz os estardalhaços que gostaríamos de ter feito. Em 13 de junho último, du­­rante o velório da avó, Julieta Dib­­ner, não havia aquecedores na Capela 2 do Cemitério Muni­­cipal. A sensação era de dois graus negativos. No dia seguinte, nasceu a queixa fúnebre. A resposta da administração foi de chorar: "Nem tudo é perfeito."

Mas não vem que não tem. "Até Paris pode ser melhor do que é, por que não Curitiba?", per­­gunta. A começar pela Viação Glória, sua vizinha, com quem troca farpas há uma década, passando pelos órgãos de saúde, sobre os quais atira flechas. Tem­­pos atrás, depois de esperar três horas por um médico, optou pelo remédio da queixa em papel timbrado. Não curou, diz, mas pôs para correr.

A essas atas de reclamações, some-se a Câmara Municipal, seu púlpito de cidadania. Ele afirma que se deixassem, desenvolveria ali projetos próprios, como a incorporação de Co­­lombo e Almirante Tamandaré ao município. "Curitiba não tem mais pa­­ra onde crescer", argumenta. Um vereador de maus bofes, inclusive, já mandou deixar o currículo de Ma­­ra­­valhas na porta do remetente. Mais direto, impossível.

Acuado, resta-lhe caminhar na linha do trem. Adivinhem? Meses atrás, reparou nos dormentes em petição de miséria. Alto lá. Calculou o peso de um vagão e o tamanho do estrago. Acionou a ALL. Protocolou. Es­­pera, com paciência de Jó.

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Esperar, aliás, é sua sina. Es­­pe­­ra indenizações do Estado. Espe­­ra isso e aquilo. Enquanto não vem, arruma sarna para se coçar. Basta ir ao banco. Numa manhã, é a porta giratória que emperra, mesmo quando a gente tira até o metal dos dentes. Noutra é uma taxa nova por um comprovante qualquer. Tasca uma carta algo assim: "Meritíssi­­mo juiz, R$ 0,70 pelo que vale R$ 0,05. Pode?"

Uma de suas brigas mais feias foi com o Detran. Reprovado num teste, só faltou queimar pneus na João Negrão, sem sucesso. Restou-lhe tentar habilitação em Gurupi, no Tocantins, onde foi tão bem tratado que agora carrega na lapela um boton com em­­blema do estado. Como di­­riam Clotildes e Teresas, ainda tem gente boa neste mundo.

O próprio, inclusive. Ao ver al­­guém em apuros, recomenda um dos muitos 0800 que sabe de cor. "Sou um ímã", repete, lembrando da suicida que convenceu a não se atirar no Viaduto da XV. E da mulher que o confundiu com um pastor. "Ela gostou da conversa, agradeceu a Jesus, mas fui eu, fui eu", brinca. Dessa vez, não ro­­lou processo, uma proeza na vida do cara que registrou queixa contra uma loja de calçados por ter ganhado bolhas nos pés.

Verdade seja dita, Sérgio faz barulho, mas é educado, estudou no Nossa Senhora Menina. Mes­­mo assim, há quem quase lhe bata continência. "Quando digo que me chamo Maravalhas, tem quem se assuste." Cada uma.

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