| Foto: Fotografia: Ivonaldo Alexandre / Arte e ilustração: Felipe Lima

Houve um tempo em que a simples suspeita de que Aliete Prosdócimo estava por perto levava as moçoilas ao desespero. Em minutos – rápidas, feito uma Yelena Isinbayeva –, aprumavam as costas, encolhiam a barriga, levantavam o queixo e projetavam um dos pezinhos para frente. Pose de miss. Por fim, en­­saiavam um sorriso nunca cheio de dentes, pois gargalhar – amiga – é coisa de pistoleiras.

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Para as mais inseguras, restava a toillete, onde o espelho lhes servia de conselheiro. Se por azar não tivessem blush à mão, beliscariam as próprias bochechas para ficar na saudável cor "rosa-excursão". Ninguém ousaria se apresentar borralheira diante de Aliete, a dona da Socila/Socipar, centro de estética que de 1972 a 2002 foi sinônimo de elegância na terra dos pinheirais.

Há quem papagueie a velha opinião de que o salão de beleza – plantado entre as ruas Sete de Abril e Almirante Tamandaré – não passava de um templo do esnobismo à curitibana. Suas clientes se resumiriam a filhinhas de papai, pigmaleoas, cafonas incorrigíveis e aventureiras à cata de um bom partido. Todas tão loiras quanto Jean Harlow.

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Bobagem. Com perdão ao clichê, a Socipar – nome oficial – foi palco de uma revolução feminina, cujo alcance ultrapassou os salões do Graciosa e do Curi­­tibano. Na década de 70, quando o empreendimento nasceu – em 200 metros quadrados do Alto da XV –, o Paraná fazia sua transição tardia do rural pa­­ra o urbano. Aliete, oriunda da colônia italiana, mas cedo apresentada à high society, sabia do que tratava e matou a charada: faltava it – como se dizia – às gu­­rias que transitavam pela era psicodélica como se estivessem exibindo um vestidinho bege numa soirée do Thalia.

Àquela altura, as bem-nascidas ainda frequentavam colégios católicos, onde aprendiam francês com biquinho e como se portar à mesa. Mas permaneciam interioranas caladas, pouco à vontade a bordo de uma meia de lurex. Que dirá esboçar uma opinião sobre a crise mundial do petróleo. Ai, que dor de dente.

A primeira medida civilizatória de nossa heroína foi transformar um quarto dos fundos em academia de ioga. "Já tinha cumprido minha pena como dona de casa", diverte-se. Entre um "ma­­lasana" e outro descobriu que a clien­­tela queria mesmo era apren­­der a pilotar cílios postiços e a falar em público, entre outras lições que só a Socila do Rio de Janeiro ensinava.

Deu no que deu – fez uma parceria com a dona da marca, a mítica Maria Augusta, a que dava bengalada nas misses. De quebra, salvou Curitiba da tirania dos terninhos de tweed. Ex­­plico. Aliete sacou que para so­­bre­­viver àqueles tempos não bastava ser chique. Tinha de es­­tar com as pilhas ligadas.

Em paralelo à etiqueta, promoveu a oratória, cursos de mo­­delo, criou academias, spas e em outlets. Tudo numa época em que exercício era sinônimo de footing, regime se fazia com anfetaminas e liquidação não passava de conversa das domésticas.

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Num estalar de dedos, o estabelecimento saltou para 1,2 mil metros quadrados. Parecia o cenário de uma novela da época: Locomotivas, palavra com a qual as "panteras" também po­­diam ser chamadas. Arrombou a festa.

A veterana pensa em escrever um livro sobre como mexeu com a alma e com a peruca da mu­­lherada. Que o faça ao som de Staying’alive. Afinal, se pela Socila passaram meninas com dificuldades tolas, como a de sentar no carona de um fusca trajando minissaia e bustier, também circularam as primeiras desquitadas da paróquia. Elas chegaram dispostas a dar um bico na Curitiba que cheirava a "Flor de Maçã", da Helena Ru­­binstein. E a começar de novo, com o topete em riba. Quero saber o bicho que deu.

Fuxico. Aliete está com 73 anos e quase não badala. Gosta mesmo é de andar de bicicleta em Guaratuba, de chinelo de dedo e cabelo ao vento. É dama de rosa do Hospital Erasto Gaertner. E odeia chapinhas. Mirem-se no exemplo.

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