Tenho cá para mim que cada brasileiro guarda pelo menos uma música brega de memória. E que a canta sem gaguejar no segredo do chuveiro ou em festinhas privadas, tirando um sarro daquilo que ama de paixão. Dada a certeza antropológica de que o brega [derivado de "breguete" = empregada] é o barro do qual somos feitos, seria desejável se fizéssemos um flashmob, ato público para assumir nossos pendores estéticos. Dia tal, hora tal, todos à janela. Cada um cantaria seu Wando, Sidney Magal ou Jane e Erondy de preferência.
Bananas e abacaxis hão de ser atirados ao vento. Mas será um senhor descarrego. Encontraremos algum descanso às custas de emoções baratas, a nos desobstruir as mágoas que envenenam o sangue o mesmo sangue que "ferve por você".
Volta e meia me pego cantando pérolas do segundo escalão da Jovem Guarda, no qual, dizem, a música brega veio à luz. Uma delas é "à Índia fui de férias passear...", do Nilton Cesar. A flauta indiana de encantar serpentes, usada no arranjo, faz da canção um clássico do gosto duvidoso, seja lá o que isso for. Não espalhem, mas já me vi chorando ao ouvir Meu velho, de Altemar Dutra, na caixa de som do supermercado.
Mas nada que se compare à década de 1970, quando todo mundo se vestia igual ao Agostinho de A grande família. Naquela época, meu pai tinha uma funcionária chamada Joanita, catarinense de olhos graúdos e fatais. A cada vez que a Rádio Atalaia tocava Sangue Latino, de Sidney Magal, ela gritava com tamanho prazer que eu, garrote, a imaginava nadando num mar de chocolate, trajando maiôs Catalina, é claro.
Outra lembrança docemente brega se deu no ensino médio. Durante uma daquelas peças de teatro obrigatórias, um colega, Aírton, ao perceber o desdém da audiência, improvisou: entrou em cena, espanador na mão, cantando "no hospital, na sala de cirurgia...", do Amado Batista. Ganhou um lugar no coração do povo.
Inspirado no efeito entusiástico dessa música, passei a defender a tese de que as pessoas deviam cantar um clássico do brega quando as reuniões de trabalho e de família estivessem um porre. Cheguei a imaginar um figurão de terno, subindo à mesa e entoando O telefone chora (Márcio José e Liriel), canção que considero o fino da cafonice, digna de entrar para o Museu da Imagem e do Som.
A quem porventura restem dúvidas sobre a eficiência motivacional do brega, um alerta. Anos atrás, vi o saxofonista Derico Sciotti, do Jô Soares, com um desentupidor de privada na mão, regendo um coro de granfas num grande hotel de São Paulo. O que cantavam? Domingo Feliz, de Ângelo Máximo.
O fato é que ainda não se reconheceu a contribuição da "música de segunda" para a sociedade do conhecimento. Alguns livros nasceram para celebrá-la, como os escritos por João Teles, Paulo Araújo e Antônio Cabrera. Mas é pouco. Não se reparou ainda, por exemplo, a injustiça contra um dos papas do gênero Odair José.
Além da autoexplicativa Vou tirar você desse lugar o Oda é o autor de Uma vida só, vulgarmente conhecida como "Pare de tomar a pílula". Anos atrás, em entrevista, o goiano magrelo declarou que essa e outras criações eram produtos de um país que havia perdido a inocência. "O Brasil não tinha mais nada a ver com os namoricos de portão cantados pelo Roberto".
"Pílula" foi replicada pela plebe e pelos bacanas em pleno chumbo grosso do regime militar. As Candinhas, verdade, tinham virado Joanitas. E pensar que em 2010 essas ideias "subversivas" de Odair José poderiam custar a faixa presidencial à Dilma e ao Serra, se bem me entendem. É, assim engatinha a humanidade.
Por isso, bregas enrustidos do Brasil, insisto num flashmob nosso ato de rebeldia contra a caretice. Sugiro começar com um Lindomar Castilho: Eu vou rifar meu coração, seguido de Eu não sou cachorro, não de Waldick Soriano, pois é de direito dos reis.
No entremeio, algo mais leve: Estrada do Sol, com Perla ou com uma cover dela que conheço. Para finalizar, num elogio à loucura, Doida Demais a 500 vozes. Faça sua lista. Seremos nós nas janelas, dia e hora a combinar.