| Foto: Foto: André Rodrigues – Arte: Felipe Lima

Faça o teste. Pergunte a alguém, digamos, mais vivido, se já ouviu falar em Ubiratan Lustosa. Garanto – os olhos vão se arregalar, memórias virão em cascata, haverá quem se emocione de fato. Pudera. Durante quase meio século, esse senhor de nariz generoso e olhos claríssimos foi sinônimo de rádio no Paraná. Não é pouco, em se tratando do veículo que fundou uma espécie de camada geológica do mundo moderno. Sabe a "Era do rádio"? Pois é, o Bira estava lá.

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Passou pela Clube, vulgo "Bedois", e pela Marumby. Prata da casa em duas das maiores emissoras de nossa história, entrou nos lares, nos ouvidos e ganhou afeto de tanta gente nesse tempo todo que devíamos privatizá-lo: o Bira é nosso, do mesmo modo que o xisto, o pinheiro e a Helena Kolody.

Para quem por acaso chegou atrasado, algumas dicas sobre o ilustre sujeito Lustosa. Ele tem 85 anos, mas não parece; está aposentado – mas vivinho da silva ao lado de sua Cloris – e se enquadra na categoria homem renascentista. Amarrem os cintos para conferir a lista de suas habilidades vitruvianas: além do Direito – profissão de toga –, ele pinta, compõe, escreve poesia, crônica, teatro, novelas, tudo isso em paralelo às transmissões radiofônicas que fizeram a cabeça de gerações. Não lhe perguntei se dança. Sei que conta piadas.

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Há três hipóteses sobre o que levou Bira a se tornar quem é. A primeira veio a bordo do bonde, em meados da década de 1930, quando ia à casa do seu tio Beppe, nas cercanias do Bacacheri. Naquelas vésperas da Segunda Guerra, o parente militar tinha um rádio de Galena, espécie de bisonte da radiofonia. "A gente juntava os fiozinhos e ouvia aquele vozeirão. Era impressionante", diz, com bom gogó e borogodó.

A segunda hipótese se desenhou a algumas quadras de onde nasceu, no Rebouças. Bira menino morava onde é hoje a Praça Ouvidor Pardinho e trabalhava no Snooker Corumbá, no Centro. Atendia todo tipo de gente – dos graúdos ao proletariado, passando pela marginália. Voltava madrugada adentro, depois de experimentar a vida como ela é. Tinha 17 anos.

Mais ou menos nessa época se desenhou a terceira hipótese. Para tanto bastou atravessar a rua e participar da quermesse da Paróquia do Coração de Maria, na qual era congregado mariano. Coube-lhe anunciar no alto-falante os bilhetinhos inocentes do Correio Elegante. "Moça de azul e tranças manda beijocas para rapaz louro que está perto da barraca do biju". Foi sua primeira projeção de voz, daí para sempre.

Descoberto em 1948, ganhou direito ao microfone, mas não só. Talvez por força do que testemunhou nos subterrâneos esfumaçados no snooker, desenvolveu uma criatividade diabólica. Assinou teleteatros, radionovelas e atrações cujo formato, anos depois, seria copiado pela televisão. Poesia na onda; Vamos tirar o pó, Rádio Chance Marumby... Em De quem é esse retrato?, o público tinha de adivinhar quem era a personalidade misteriosa da qual falavam. Para manter suas artimanhas no ar, depois da produção saía à rua para vender anúncio – bateu muita palma nas Lojas Bettega e na ABC.

De outras feitas, lançou-se na carreira de produtor musical. Jorge Goulart, Marlene, Nora Ney, Léo Vaz, Vicente Celestino, Blecaute, Demônios da Garoa... Ponha na conta outros tantos bambas da Rádio Nacional. Os anos dourados corriam em forma enquanto Bira corria ao aeroporto, apanhava as celebridades, levando-as à rádio, aos palcos, às boates, ao hotel. Voltava a pé, como nos tempos de aprendiz de balcão. Fez-se boêmio, mas eterno Congregado Mariano.

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Confessa que viveu. Seu ranking – o melhor momento foi ter trazido à cidade a cantora peruana Yma Sumac. "Ela entrou pelo fundo do Guaíra, de surpresa, soltando aqueles agudos...", descreve. O pior momento, um bate-boca com o "Caboclinho Querido", Sylvio Caldas. Qual Frank Sinatra, alegou estar resfriado, mas estava pescando num dos muitos rios da redondeza. "Não precisa mais vir", bradou Lustosa do outro lado da linha.

O resto da trama já se sabe – a tevê entrou na arena, fazendo tudo que as rádios faziam, mas com imagem. No dia em que a Marumby ganhou novo dono, entendeu que o filme tinha acabado. Recebeu as contas logo depois. Fez uns tantos bate e voltas na "Bedois", pois o monsenhor Vítola era seu fã. Não deu mole para a amargura. Longe disso, escreveu seus recuerdos em livro, disponível no ulustosa.com, e digitalizou 300 fotografias dos tempos de emissora. Nunca deixou de dar entrevistas e receber relatos emocionados sobre gente que conheceu o mais brasileiro de todos os meios. Quem perdeu? O Bira é que não foi. Minha hipótese.

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