Aparecido Izabel Massi berra no meio da Pedreira Paulo Leminski. "Vamos soldados... Tem baldes para a cena seguinte? Ca-dê-o-Moi-sés?" O ator e diretor veste vermelho, para ser visto pelos 800 figurantes de seu grupo, o Lanteri. Não usa microfone. Usa as pernas e o gogó. Seu rabo de cavalo ricocheteia a cada trotada que dá entre os 1,2 mil metros quadrados de palco, mostrando que está em forma graças às corridas madrugueiras na Praça Oswaldo Cruz. Tem 55 anos, 1,83 metro, 88 quilos, torce para o Londrina F.C. ("putz!", diz) e mesmo aposentado do papel principal da Paixão de Cristo, permanece sendo Jesus para as centenas de pessoas que correm toda abraços até ele, interrompendo os ensaios, o que se há de fazer.
Faça as contas. O Grupo Lanteri existe há 35 anos. Nesse tempo, passou das apresentações paroquianas, no Uberaba, para o Largo da Ordem e o Centro Cívico, até chegar à Pedreira Paulo Leminski, onde desde 1990 reúne em média 20 mil pessoas a cada Semana Santa. Sempre com Massi à frente. Ele se tornou um recordista, digno do Guinness Book. É com folga o ator mais conhecido da Região Metropolitana de Curitiba. E o que tem mais público. Por baixo, nas duas últimas décadas, foi visto por nada menos do que 400 mil pessoas. Poucos artistas no país têm cifra igual. Nem o circo chegou perto. Nem os astros de rock.
Pergunto a ele como tudo começou. Ri brejeiro e sugere trocadilho: "Em Água dos Cágados." Fica na zona rural de Ibiporã, Norte do Paraná. Ali, Massi menino carregou pela primeira vez a cruz numa procissão da Sexta-Feira Santa. Pegou gosto. A Paixão de Jesus virou sua "paisagem interior". Sente-se em casa nos dias nublados e silenciosos que lembram aquele, não importa se forem em maio ou novembro. É como se levasse no peito um catecismo antigo, povoado de personagens de gestos largos, à moda Charlton Heston em filmes de Cecil B. de Mille. Os olhos de Massi procuram na vida real as gravuras sombrias de Gustave Doré, pois é nelas que mora.
Explica tudo a Pedreira Paulo Leminski é uma Água dos Cágados amplificada. As senhorinhas das vilas, figurantes de seu espetáculo, representam as mulheres que saudaram Cristo em Jerusalém, mas também as beatas de Ibiporã. A fala empostada dos atores replica os radialistas das AMs do interior. Tenho uma hipótese: Massi atualiza com 600 mil watts de luz e 72 mil watts de som a chama das velas e os ecos das rezas de sua primeira procissão vivida nas roças da infância.
Digo mais: nos idos de sua pequena odisseia camponesa, ao carregar a cruz, imaginou que Jesus não era tão loiro quanto ele, mas devia falar coisas engraçadas sobre nada, entre um versículo e outro. "Gostaram do pirulito que eu comprei? Com o meeeeeu dinheiro..." (risos), grita no palco da Pedreira, para as centenas de atores voluntários que tem aos pés. O pirulito é seu Sermão da Montanha aos cansados depois de quase cinco horas de ensaio. Bem-aventurados os que fazem rir, pois reduzirão as distâncias entre os homens.
Dito e feito. O São Pedro da companhia de Massi se chama Lindon Carlos Pessile, 45 anos, analista de TI, morador do Hauer. Paulo César Griboggi, 33, de São José dos Pinhais, inspetor veicular, puxa uma liteira de 320 quilos e comanda os 150 guardas da peça, incluindo os figurantes da PM, todos sob seu comando. Pedrinho Ferreira dos Santos, 59, da Vila Camargo, é pedreiro e cross-dressing (homem que se veste de mulher, como o cartunista Laerte). Já foi o Lázaro da Paixão, mas dava muito trabalho pôr e tirar tantas faixas. Interpreta agora um sacerdote.
Nenhum dos três foi a Água dos Cágados ou a Jerusalém, mas com certeza a conhecem.
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