| Foto: Arte: Felipe Lima

Foi bonita a festa, pá. Vai ser difícil esquecer o mês em que passamos com os olhos estatelados nos meios de comunicação, acompanhando a renúncia de Bento XVI, o conclave e a eleição do papa Francisco. Súbito, nos tornamos vaticanistas de cátedra, prontos para dar palpites bizantinos sobre toda sorte de intrigas paroquianas. De lambujem, confidenciamos, carolas, alguma historieta sobre um pontífice esquecido do século 12. Ou revelamos a farsa da papisa Joana – lenda perfeita para responder por que diabos existe o feminino de papa.

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Se dar palpites vaticanos fosse emprego, estaríamos todos no olho da rua. Erramos feio em todos os prognósticos, deprimindo a população de Toledo, no Oeste, agora órfã da honra de ser o endereço afetivo do papabile dom Odilo Scherer. Sopra que passa. O que fica é que a disputa eclesial que colocou o carnaval, o goleiro Bruno e até o novo namoro da Xuxa no limbo da audiência serviu para comprovar o fascínio que o Catolicismo ainda exerce. E essa é a questão.

Antes que os leitores de outras confissões virem a página, peço água. Não quero aqui tratar de questões de fé, mas de cultura. Quando o papa João Paulo II morreu, 1 milhão de pessoas compareceram a seus funerais, em Roma. Fenômeno da piracema. Escreveu-se que em meio àquela multidão haveria poucos católicos em dia com os sacramentos ou merecedores dos mais belos santinhos no fim das aulas da catequese. E daí?

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A Praça de São Pedro, a Capela Sistina, a soberba liturgia católica, Sua Santidade toda de branco, são parte do patrimônio e do imaginário ocidental, sejamos católicos, umbandistas, evangélicos, ateus e à-toas. Nossa pobre humanidade tem direito a babar diante do grande baldaquino de Bernini e saber-se herdeira daquele símbolo da encarnação divina, mesmo que não gozemos mais dos consolos da fé. É lugar sagrado, bem diferente daqueles em que ajoelhamos para rezar e sentimos vontade de fazer xixi: o azulejo do piso dos templos modernos costuma ser igual ao do banheiro lá de casa.

E, cá entre nós, é surpreendente a sobrevivência de uma instituição milenar nesses tempos em que tudo tem o prazo de validade de uma pera. De modo que, mesmo que atolados em dívidas com Nosso Senhor, ou tendo opiniões pouco ortodoxas sobre a Virgem Maria, adoraríamos estar na Cidade Eterna, bem perto da chaminé, berrando feito fãs da Anna Carolina.

Sem falar no doce sabor da vingança. É um bom desaforo prestigiar uma centena de velhinhos trajando púrpura quando ao nosso redor impera a devoção às elastinas e colágenos. Reparem nas propagandas dos planos de saúde. Em vez de um médico experiente, um rapagão com raros e estudados fios de cabelo despencando na testa. Que preguiça – viva o papa, 76 anos, um pulmão só, papada e barriguinha de chorizo. Viva o cardeal francês Jean-Louis Tauran, sequinho como um anacoreta, declarando Habemus papam com caretas de vovozinho tchutchuco.

Em tempo. No belo livro A revolução do amor, o filósofo Luc Ferry chama atenção à danada da saudade que nos come as tripas. Demos de reivindicar o passado, como se lá se escondesse alguma mercadoria que saiu de fabricação – a comida sem conservantes, as relações sadias, o direito a uma tarde livre com café e cuque. Queremos o sacro de volta. O conclave, pelo visto, atiçou nossos brios religiosos. Por algumas horas, levou-nos a um homem que dá significado a seu nome, que se curva à multidão, que sabe da sua brevidade. É católico, mas é universal. Foi lindo. E bem no meio do expediente. Oba!

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