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José Carlos Fernandes

O vendedor de pensamentos

 | Foto: André Rodrigues – Arte: Felipe Lima
(Foto: Foto: André Rodrigues – Arte: Felipe Lima)

Perdoe o exagero, mas a profissão mais admirável do mundo é a de vendedor. Repare. Diante da freguesia, viram deuses e demônios em forma de gente. Os olhos lançam chispas. A mais franzina das negociantes ganha corpo de gigante. O mais humilde dos balconistas aflora – encantadores de cobras. No atacado ou no varejo, paixão igual. Gostaria de ser um deles nem que fosse por uma hora. Você não?

O gaúcho Antônio Ribeiro figura entre esses eleitos. Descobriu-se vendedor na década de 1960, aos 16 anos. Precisava ganhar uns cruzeiros e saiu oferecendo, porta em porta, a série Quitutes da tia Marilu. Pegou gosto. Logo passou para a segunda etapa: encontrar iluminados dispostos a pagar em espécie pela Biblioteca Científica Life. Gabaritou.

Nada detinha o guri. Nem o cabelo à Panteras Negras, nem as roupas alegretes que fariam corar os caudilhos. Veio a terceira etapa – a de "livre vendedor", uma categoria sem patrão a lhe morder os calcanhares. Podia se dar a esse luxo. Tinha métodos. Diferente dos vendedores que se acabavam de tanto bater palmas, ligava antes para os clientes e lhes dizia as palavras mágicas: "Aqui quem fala é o filho do professor Ribeiro..." Portas da felicidade se abriam.

Em nome do pai, respeitado professor da UFRGS, Antônio não colecionava recusas, mas convites para entrar nas salas mais graúdas, em especial as dos dentistas que, por um capricho do destino, se tornaram seus clientes preferenciais. Assim permanecem. A princípio, oferecia-lhes os livros de Francisco de Paula Azzi, como A periodontia atual. Depois os levava em caravana para cursos de implantes dentários em Buenos Aires. Todos queriam ir com ele. Anos depois, Antônio mesmo lhes escrevia livros, ensinando a vencer no concorrido mercado da odontologia. Foi assim que se fez.

Tudo indica que seja o autor mais popular entre os dentistas brasileiros. Os números que exige são de dar vertigem. Escreveu nada menos que 38 obras, a maioria voltada para marketing nos consultórios. Pelas contas, vendeu até hoje algo como 75 mil exemplares e tem outros 10 mil nas livrarias. Seu mailing bestial atinge 70% dos 240 mil profissionais do ramo em atividade no país. Somem-se 570 palestras e 420 artigos publicados. Num único simpósio, chega a ter com 400 cirurgiões, aos quais sua representada vende aquelas microtraquitanas que habitarão nossas pobres gengivas. E desova livros, muitos livros. Pergunte ao seu dentista.

Como fez amigos às pencas, ganhou o direito de escrever também textos mais leves, nos quais reuniu anedotas confidenciadas pela "turma das brocas torturantes". Estão condensadas em trabalhos como Odont’Humor e Odonto causos, provas de que os dentistas também se divertem, ao contrário de nós quando estamos na companhia deles. As ilustrações são, a rigor, do dentista Fábio Silva, seu chapa.

A nova leva de escritos de Antônio, contudo, não trata de gestão, mas de coletâneas de pensamentos, publicadas em formato de bolso, trabalho que pode catapultá-lo para longe do reduto das obturações e moldes de gesso. Compilou seis livros até agora, passeando por temas que vão do amor à amizade. "Só os dentistas me conhecem. Quem sabe, agora eu seja descoberto", torce o escritor e empresário de 62 anos, dono de uma careca reluzente que contrasta com a descrição do piá pilchado de hippie que vendia enciclopédias nas ruas de Porto Alegre.

A origem dos "livrinhos de pensamentos" é curiosa. Antônio gostava de anotar pensatas em cada capítulo das suas publicações e percebeu que havia quem as lesse antes de tudo, recreativos, para sair repetindo frases famosas por aí. Entre uma limpeza com bicarbonato e outra, alguns até lhe mandavam mais ditos de Plutarco, Proust, Shaw, Hesse e Fromm. Não precisava ser nenhum Og Mandino para saber que havia ali um filão. O vendedor de porta em porta ressuscitava.

O distinto capitalista Antônio Ribeiro tem ido às feiras literárias, feito a de Paraty. Vai a caráter. Mandou costurar um avental com bolsos, nos quais coloca os pocket livros de frases. Mascate assumido, oferece-os aos passantes. Os leitores escolhem o que querem no "Homem Livro", como apelidou sua performance livremente inspirada na "Mulher Melancia". Ele diverte. De troco, experimenta de novo a alegria que sentia em guri, quando via um cliente faceiro com uma Life debaixo do braço. Dizem por aí que até pensa em largar tudo e viver de vender pensamentos.

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