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José Carlos Fernandes

O Ypiranga não morre nunca

 | Foto: Pedro Serápio/reprodução | Arte: Felipe Lima
(Foto: Foto: Pedro Serápio/reprodução | Arte: Felipe Lima)

Benedito Vaz ganhava a vida a bordo de uma van. Certa vez, recebeu o convite para carregar um time de futebol inteiro, o Ypiranga Futebol Clube. Não negou fogo. Transportou os craques uma, duas, três vezes e nada de pagamento. Foi às falas com os dirigentes – italianos castiços da velha Água Verde. A cobrança teve final feliz. "Recebi tudo", jura o perueiro, hoje presidente do time.

Não, Benedito não ganhou um lugar na galeria de presidentes ilustres em troca da dívida. O homem é que, depois de receber o seu, aceitou fazer uma boquinha no churrasco dos associados e não largou mais o osso. Foi mútuo. É por causa de gente boa como o Benê que os veteranos do YFC põem para correr os desalmados que garantem terem ido ao enterro do time no Cemitério da Água Verde.

"Nosso clube não vai morrer nunca", proclama, às margens do Ypiranga, o pequenino Acir Gabardo, 80 anos, o "Pintado", um dos "mais ou menos" dez sócios hiperativos da instituição – entre eles seus manos José Carlos e Osmar. Os ipiranguistas são poucos, de idade avançada, meio parentes, mas um modelo de gestão: controlam os gastos no lápis, reúnem-se toda semana, têm boa memória e são só abraços para os jovens que quiserem se alistar no YPC. Benedito Vaz – no frescor de seus 61 anos – é uma prova disso.

O YPC foi fundado em 16 de janeiro de 1930, data lembrada ano a ano com picanha, cerveja e "música para os ouvidos": Acir sempre ergue a voz e repete de cor a vitoriosa escalação de 1960 ou coisa assim. Pudera. O time tem 81 anos – um a mais que ele, um sujeito cuja vida se confunde com as paredes da sede, apinhadas de títulos e troféus que ainda farão a alegria de algum historiador.

"Os Gabardo", como se referem os aguaverdeanos à sua nobreza, eram em boa parte moradores das cercanias da Rua Silveira Neto – espécie de Alpes Suíços da região e, claro, berço de ouro do Ypiranga. Não eram donos do time, como pode parecer. Havia os Deconto, os Zanetti, os Stofella... Mas davam peso "à escalação". Nos retratos antigos, não raro, dos 11 jogadores, 8 eram Gabardo. De modo que o clã, o YPC e a Silveira Neto se embaralham. Trata-se de uma questão "etnogeocultural", ou seja, é um barato.

A Silveira não é uma rua qualquer. É um mirante. De um lado se vê a Baixada Atleticana e de outro as barrancas do Córrego Guaíra. Daí não raro algum sócio do YFC se referir a fulano ou beltrano como um "italiano lá de baixo – frequentador do Clube 25 de Maio, jogador de bocha". A vista airosa da zona mais alta da Água Verde talvez explique o orgulho incontido dos torcedores e sua crença inabalável na posteridade do clube. Nem o Atlético nem o Paraná Clube desfrutam de paisagem igual.

É certo que o Ypiranga levou rasteiras, ai. Em 1938, com dinheiro em caixa para comprar um campo de futebol, os associados decidiram fazer bonito: usaram a verba na aquisição de um rádio para acompanhar a Copa do Mundo. Do aparelho hoje ninguém sabe. E os terrenos na redondeza só ficaram mais caros à medida que os "forasteiros", como ainda dizem alguns, deram de escolher a Água Verde para viver.

Segundo consta, o baque foi superado "lavorando": as Yolandas, Iracemas, Isauras e Aracys dos Pelizaris, Cortianos, Parolins ou Lançonis continuaram costurando e lavando uniformes. Os Ivos, Aílsons e Jacis seguiram batendo ponto no campo aos sábados e comendo pão com bife depois do jogo. "Era bom chegar em casa e escutar ‘de quanto foi?’", lembra José Carlos. Só não foi melhor porque nos anos 90 os italianos se deram conta de que o tempo tinha passado. "Tá vendo aquela foto? Morreram todos. Perdemos a conta do tamanho do nosso time lá em cima", brincam os boleiros.

Mas eis que algo mudou. Com apoio da prefeitura, o time ganhou uma área numa zona de ocupação na Fazendinha – o Jardim Independência. O nome do local não podia ser mais inspirador. Foi ali, com a moçada da periferia – aquela que anda na Van do Benedito – que o clube reencontrou o fio da história. Os Gabardos e Cia., é fato, já não têm pernas para ir até lá. O pequeno Exército de Brancaleone prefere as delícias da carne servidas no barracão. E tramar, à italiana, o renascimento do Ypiranga, o maior time de bairro de todos os tempos. Aguardem.

Ao jornalista José Gil de Almeida, que começou a escrever essa história. Ao Alceu Pickler, que cantou a bola para a gente.

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