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José Carlos Fernandes

Onde o Cid não bebe mais

 | Foto: Daniel Derevecki / Arte: Felipe Lima
(Foto: Foto: Daniel Derevecki / Arte: Felipe Lima)

O comerciante catarinense Humberto Ma­­noel Paulo, 53 anos, fi­­cou conhecido em Curi­­tiba por suas medidas extremas: tem os pés muito grandes e a paciência muito curta. Noves fo­­ra, o fato é que a inesperada equação entre forma e conteúdo não fez dele o Patinho Feio da terra fria. Ao contrário, os índices de popularidade do Beto, como é chamado, são de fazer inveja aos Betões bonitões e simpáticos de nossa cidade.

Prova disso é seu boteco – o Bar do Beto, plantado na Avenida Nossa Senhora Aparecida, a alguns passos da divisa do Batel com o Seminário. O estabelecimento está prestes a chegar à idade da razão. Vai completar bodas de prata e permanece imbatível na sua categoria, a de "quase" 24 horas. Tirando os 120 minutos em que passa pela faxina, o resto do tempo segue a portas abertas. Ou "quase".

Aos fatos. Beto tem por princípio dispensar fregueses, digamos, que lhe cansem a beleza. Não usa para tanto seus pés descomunais, claro. Primeiro faz cara de poucos amigos. Se não resolver, manda mensagens na ordem direta. "Eu não vendo trago. Só vendo uísque." E se manda para a cozinha. Funciona.

Que não se espere do Beto seguir à risca as 10 regras infalíveis para ser um empresário de sucesso. Do alto de seu 1,53 me­­tro, 74 quilos e plataforma 39 – número que, de pés juntos, jura calçar – ele despreza os mi­­la­­gres da autoajuda e as promessas do marketing. Prefere a experiência, iniciada em 1982, quando deixou Itajaí e se empregou co­­mo garçom do Restaurante Hún­­garo, na Pracinha do Batel.

Foi ali que esboçou sua Fór­­mula de Báskara: "Se a clientela não é da boa, o dono se ferra". Como essa informação não en­­contra respaldo na literatura especializada, criou as próprias regras. Uma delas é: "O freguês tem sempre razão, desde que prove". E a outra é: "O freguês não pode se achar dono do pedaço". Caso o destinatário não se dê conta de qual é a parte que lhe cabe no recinto, alguém deve lembrá-lo, tarefa na qual Beto é bacharel.

O freguês, teoriza, pode até estar mendigando moedinhas no fundo do bolso, mas jamais pode ser um "xarope", defeito que co­­loca em risco o bem-estar da coletividade. Para os negociantes focados em resultados, o quesito chatice é relativo. Há o chato por herança genética, coitado. Mas para Beto não tem desculpa: o freguês tem obrigação moral de ser bacana. Do contrário, a porta da rua é a serventia da casa.

Seu faro com os párias da espécie é tão desenvolvido que ele os percebe assim que cruzam a calçada, saltitantes rumo ao happy hour. Beto passa o paninho no balcão e espera. Os chatos sempre se entregam. Fazem o gênero cantora Maysa. Fumam demais, bebem demais, falam demais. O método para despachá-los é simples – basta cobrar mais caro, do bucho à rabada.

Mas não o levem a mal. No fundo, ele é um doce. Uma vez acolhido, a gente se converte em seu braço direito. Estar com ele é partilhar o palmo de terra mais democrático de todo o Batel. Ali coabitam endinheirados vindos da rua de cima, operários da construção civil, vindos de baixo; e todas as facções LGBT, trazidas pelo sereno da madrugada.

De tão família, Beto até pede para o freguês ajudá-lo a servir um chopinho nas mesas. Não custa nada, já que está ali, coçando o umbigo, né. Com sorte, planta-se ao nosso lado e serve o famoso pastel de carne com queijo, R$ 3,50, do tamanho do pé dele. "O cliente é um carente", suspira.

Em tempo. Como o proprietário é coxa-branca, falta atleticano na área. Desconfio que os métodos de seleção de clientela não estão adaptados à torcida rubro-negra. Quando o forem, sorry coxas – o Bar do Beto será nosso.

P.S. Ô Beto, deixe o Cid Des­tefani voltar, vai.

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