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José Carlos Fernandes

Portinha n.º 1: o sapateiro do Batel

 | Foto: Daniel Castellano – Arte: Felipe Lima
(Foto: Foto: Daniel Castellano – Arte: Felipe Lima)
Taroslaw Szmulik, o Lauro, na frente da sapataria de 12 metros quadrados, na Rua Benjamin Lins, extensão da Avenida Batel: O Shopping Crystal como vizinho |

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Taroslaw Szmulik, o Lauro, na frente da sapataria de 12 metros quadrados, na Rua Benjamin Lins, extensão da Avenida Batel: O Shopping Crystal como vizinho

Interior da Sapataria Szmulik, no Batel: de acordo com dados da prefeitura, é a única sapataria do bairro, de 11 mil moradores |

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Interior da Sapataria Szmulik, no Batel: de acordo com dados da prefeitura, é a única sapataria do bairro, de 11 mil moradores

Lauro aprendeu o ofício no interior do Paraná. Não foi uma escolha, mas a profissão acabou sendo abraçada na idade madura |

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Lauro aprendeu o ofício no interior do Paraná. Não foi uma escolha, mas a profissão acabou sendo abraçada na idade madura

O sapateiro atende gente que insiste em restaurar sapatos rotos. Contam-lhe histórias:

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O sapateiro atende gente que insiste em restaurar sapatos rotos. Contam-lhe histórias:

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Detalhe de um restauro pelas mãos de Taroslaw Szmulik |

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Detalhe de um restauro pelas mãos de Taroslaw Szmulik

Retrato de Lauro por Daniel Castellano |

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Retrato de Lauro por Daniel Castellano

Salvo engano, os quase 11 mil habitantes do bairro do Batel, em Curitiba, dispõem de um único sapateiro para lhes prover saltinhos e arremates. Chama-se Taroslaw Szmulik, tem 65 anos e atende na Rua Benjamin Lins, 875 – extensão da Avenida Batel. Seu estabelecimento é, de fato, modesto. A Sapataria Szmulik funciona na garagem de um dos antigos palacetes da região. Tem 12 metros quadrados, contra os 44 mil metros quadrados de um de seus vizinhos de calçada, o Shopping Crystal. O pé-direito é da altura de um braço esticado. Duas pessoas junto ao balcão, e basta – o local fica com lotação esgotada.

Tamanha falta de espaço faz formar filas na portinha, um privilégio do qual a maioria dos 5,7 mil estabelecimentos do ricaço Batel não podem desfrutar. "Lauro", apelido de Taroslaw, calcula atender 40 clientes por dia, boa parte gente graúda, cujos nomes saem estampados na coluna social. Mas é raro virem pessoalmente. Mandam "emissários", como diz, referindo-se às empregadas e aos motoristas.

Ambos demonstram gostar mais de carregar calçados para o conserto do que de levar os pets para o pipi e o popô. Não raro, aproveitam a cordialidade do sapateiro para um desabafo: "Será que meu patrão pensa que vai levar tantos sapatos para o túmulo?", disse uma guria em meio a um desconsolo à prova de PEC das Domésticas. Quando a confidência é mais apimentada, Lauro se faz de surdo. Nas demais ocasiões, pratica outra de suas habilidades – a de frasista militante.

O homem sabe ditados a rodo. Usa-os, inclusive, para explicar a própria vida. "Pedra que rola muito não cria limo." Lauro é filho de imigrantes ucranianos foragidos da Segunda Guerra, radicados em Campo Mourão. Quando o filho tinha 17 anos, seu pai – um homem que vira a morte rondando os calcanhares – decidiu lhe escolher uma profissão. Levou-o a uma fábrica de sapatos. Que aprendesse a fazê-los.

Obedeceu, mas só até ganhar asas. Formou-se técnico em Edificações pelo antigo Cefet e passou a liderar equipes na construção civil. Decorou os famosos "cinco S". Dava inflamadas palestras diárias de dez minutos aos peões. Uma das obras das quais mais se orgulha ter participado foi a ampliação do Aeroporto Afonso Pena, justo o local onde embarcou, no auge dos anos Collor. Taroslaw, o Lauro, se mandou para Portugal e Espanha.

Nos anos 2000, voltou para casa. "A pessoa é para o que nasce." Retomou o ofício primeiro e alugou a portinha da Rua Benjamin Lins. Assim permanece. Ali, Lauro é a soma de tudo o que viveu. Em meio ao luxo só da avenida, permanece o estrangeiro que sempre foi. No balcão, exercita a retórica, sua paixão. Além de dizer máximas, serve de guia aos pedestres perdidos, que ali acodem. Pôs um mapa de Curitiba na parede e mostra "como chegar". Nunca menos que dez pessoas por dia fazem uso da central de informações da Sapataria Szmulik.

De tudo, o mais incrível é ouvir o que Lauro fala da profissão que lhe foi imposta antes de ser abraçada. "Cada sapato é um sapato", filosofa, para dizer que bons sapateiros não aplicam cola sempre da mesma maneira, como se estivessem diante de um par a mais. Um calçado usado traz o formato dos pés do seu dono. É DNA. Precisa mais?

Sapatos são próteses que nos permitem seguir adiante – como Lauro mesmo fez um dia. Se são sapatos tortos, uau, guardam segredos. Os centímetros a mais no salto escondem que uma das pernas é mais curta. O alargamento aqui e ali salva os donos de torturantes joanetes. Maciez extra redime os perseguidos por bolhas e unhas rotas. Sapatos certos são esconderijo perfeito para os que têm vergonha dos pés.

Um moço chega para apanhar um velho tênis. Szmulik pede que ele passe a mão no revestimento novo. "Sentiu?" "Ahã". Depois tratam das marcas que o dedão deixa nos calçados e coisa e tal, conversa tola para lembrar que não há felicidade possível sem um pisante que preste. Trilha sonora? André de sapato novo, na flauta de Altamiro Carrilho.

Alguns sapatos são simbólicos – diz Lauro, diante de um enigma com o qual nem Jung deve ter se deparado. Há quem lhe traga sempre o mesmo par surrado, presente dado por alguém. Ou um vetusto arcopédico português, por lá vendido nas farmácias, pois é santo remédio. Há peças que quase se dissolvem nas mãos do sapateiro. Cansa-se. Mas os donos lhe contaram por onde andaram. Resta-lhe mirar o preguinho, no capricho.

O sapateiro do Batel

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