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José Carlos Fernandes

Vestidas para Jesus

Ted Boy Marino, 72 anos, morreu no início da noite desta quinta-feira (27), após uma cirurgia de emergência de trombose | Zulmair Rocha/Folhapress
Ted Boy Marino, 72 anos, morreu no início da noite desta quinta-feira (27), após uma cirurgia de emergência de trombose (Foto: Zulmair Rocha/Folhapress)

Repare num ramo de negócio que tende a crescer na cidade – as lojas de moda evangélica. São graciosas. Na vitrine, a manequim não tem pose. Traja vestido em rosa velho com alguma renda. O decote é princesa. Atrás, um indefectível laço de cetim, tal qual usavam as debutantes na década de 1970. A falta de estampas é compensada com o caimento, me permitam, dos deuses.

Até pouco tempo, roupas para moças e senhoras cristãs eram produzidas em fundos de quintal por costureiras de confiança, talhadas para os rigores da religião – especialistas em saias com sagrados quatro dedos abaixo do joelho e paletós em mangas três quartos. Tinham por missão suprir as carências de um mercado feito para atender mulheres dadas a fendas diabólicas, preocupadas com o campo visual do busto e com a expansão macroeconômica do derrière.

Mas não é segredo nem nada que a população evangélica cresce feito bolo de casamento. São hoje 42 milhões de brasileiros. E que a chamada ascensão da classe C atinge em cheio a nação dos crentes. Eles são consumidores, mas as lojas de departamento não lhes dizem respeito. Um das respostas a essa nova ordem é que as costureirinhas abriram seu próprio negócio. Clientes ávidas pela elevação espiritual que os vestiários provocam não lhes faltam.

Uma dessas empreendedoras é Joanilda Nis, 54 anos, da Congregação Cristã do Brasil. Fosse eu mulher, e crente, só me vestiria com ela. A Jô é daquelas pessoas a quem qualquer um entregaria as medidas imperfeitas, em busca de salvação. Foi assim com a mãe e três filhas da Assembleia de Deus que vestiu em pompas, ainda na década de 1980. Eram gordinhas, mas debaixo dos truques da modista pareciam um coro de anjos. Todo mundo queria saber da milagreira – e foi assim que a Jô não parou mais de fazer longos a granel.

Tem estilo, afinal. Não faz roupas, faz trajes para ver Jesus. Os olhos de desenho animado dançam sobre os linhos. Sua tesoura tem a velocidade da faca de um atirador. "Alinhavo não é comigo", avisa a profissional que, além de toda gestos, nos leva na conversa. "Tenho uma história linda pra te contar", repete, enquanto sua máquina só falta soltar vapores.

Quando tinha 9 anos, num sítio "pra lá de Ivaiporã", Jô ouviu da mãe que devia costurar, pois "não se sabe o dia de amanhã". Levou o conselho à risca e começou a desenhar nos tecidos com sabonete seco, pedaços de aipim ou restos de vela. "Acho que foi a única coisa que aprendi a fazer de verdade", conta, enquanto aplica seu método infalível de medir a roupa nos palmos de sua mão. As freguesas aprovam e agora fazem fila na portinha de 18 metros quadrados na qual montou seu ateliê, há poucos meses, na Rua dos Ferroviários, Vila Oficinas, em sociedade com a cunhada Marlene Nis.

A convivência das duas é uma das provas máximas da tolerância religiosa. Enquanto Jô se tornou a preferida das fiéis de igrejas como a Mundial, ali pertinho, Marlene – que é católica de missa – atende as demais filhas de Deus, o que inclui as profanas periguetes. No dia em que falamos, a cunhada trajava uma vistosa camiseta com estampa de Nossa Senhora Aparecida, sem cismas. A sala de costura espelha a fé das duas estilistas. A Bíblia sempre aberta de Jô divide o espaço com a imagem de Jesus Misericordioso, da Marlene. Não tem Reforma Protestante. Ali, tem é reforma de casacos – sempre com forro e ombreira, uma trabalheira só.

"Nunca brigamos", garantem, em coro. Juntas, olham revistas de moda e de fofocas, em busca de modelos que possam ser adaptados ao paladar algo clássico da freguesia. Fico sabendo que uma senhora escolheu um conjuntinho usado por Nicete Bruno. Outra pediu para copiar um longo da Minnie Driver. Só que em marrom. A paleta de cores é bem limitada. O máximo da ousadia é o tom de vinho. Vermelho? Esconjuros. Os botões são forrados, como no tempo dos armarinhos. E é preciso prever cada milímetro de decote, despistado por boleros de tafetá.

Evitar excessos dá trabalho dobrado. Se a veste fica muito larga, é jeca, e foi-se o tempo das irmãs malvestidas. Se colado no corpo, apostasia. Além do quê, a freguesia anda cada vez mais exigente, como se pode conferir ficando de butuca na porta de um templo. É povo na estica. Jô e Marlene até sonham em bolar um Fashion Week de moda evangélica. Equilíbrio no salto não faltaria às modelos. Nem cabelões. Nem o porte altivo das eleitas. Creiam, irmãos – o dia do desfile está perto.

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