| Foto: Foto: Daniel Castellano / Arte: Felipe Lima
Dona Vilma Lindroth Beltrão no interior do casarão Villa Sophia. No estilo eclético, à moda Belle Époque, mas com rigores germânicos, construção remonta 1895
Dona Vilma no interior da Vila Sophia. Apesar do requinte da construção, família vivia sem luxos exagerados. Casa tinha poucos quartos e apenas um banheiro. Havia mais acento nos espaços de convivência
Dona Vilma e a fachada do casarão. Local abrigou os arcebispos de Curitiba, a partir dos anos 40, religiosas e mães solteiras pobres, soroptimistas e um restaurante. Atual proprietário não quer que identidade seja revelada
Obras de restauro na antiga sala de jantar. Projeto é da arquiteta Ivilyn Weigert
Obras de restauro. Vila Sophia vai abrigar um escritório de advocacia
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Dona Vilma Lindroth Beltrão é mulher bem nascida, como se dizia. Ainda conserva os modos de "menina do Sion". Adulta, cuidou do marido e dos filhos, como estava reservado às mulheres de sua geração. Viajou. Amou. Viveu. Aos 81 anos, passa bem. Goza de boa saúde e guarda os traços da beleza de um dia, como denunciam seus olhos tão azuis.

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O tempo e o vento do idílio de Vilma – tal como no romance de Érico Verissimo – incluem um casarão, erguido em Curitiba no fim do século 19. O local combina a soberba eclética com a sobriedade germânica. Fica na Rua Barão de Antonina com a Mateus Leme, atrás do Shopping Müller. Impossível passar por ali sem reparar – antes devido ao estrago causado pelos sprays, agora graças ao restauro comandado pela arquiteta Ivilyn Weigert.

Nos idos, o endereço pertenceu a Guilherme e Sophia Lindroth. Ele sueco, ela da colônia alemã. Ele engenheiro de estrada de ferro, funcionário de gabarito das Ferragens Müller. Ela filha de um dos donos da fábrica. Casaram-se. O nome dele virou um emblema na fachada: "GL". O dela deu nome ao local: Vila Sophia. Tiveram seis filhos. Parecem severos nos álbuns de família, mas consta que eram dados a rir juntos. Tudo indica que se queriam bem.

Os reveses da doença e da velhice fizeram com que, em 1937, o casarão fosse vendido para a Cúria Metropolitana, deixando de ser "Vila Sophia" para se converter em "Casa do Bispo", como ainda é chamado. Vilma – neta do casal Lindroth – tinha apenas 4 anos quando tudo se deu. As imagens que guarda são como cenas de um filme do Carlitos. Recorda bem da ocasião em que comeu um bolo de areia no quintal da mansão, debaixo do sururu dos adultos. Recorda ainda melhor as memórias dos tios e primos. De tanto ouvi-las, viraram suas páginas de Proust.

Os parentes lhe falaram do jardim de rosas, da sala de música – onde havia um gramofone –, da escadaria Belle Époque, dos muitos criados abrigados no térreo. Sempre gostou de imaginar como teria sido passar roupa com ferro a carvão. De projeção em projeção em sua Pathé particular, pode-se dizer que Vilma cruzou o século dando oxigênio aos recuerdos da Vila Sophia. É a Byll Bryson (Em casa – uma breve história da vida doméstica) da Mateus Leme.

E o fez sem moleza. Só podia abrir seu casarão com as lembranças, pois quem tinha as chaves de verdade eram sempre os outros. Primeiro, a chave era de dom Áttico – que ali morreu – e de dom Manoel da Silveira D’Elboux, sacros moradores nos anos dourados. Em seguida virou um abrigo para moças, cuidadas por irmãs de caridade. Virou também a sede das soroptimistas. Órgão de classe e coisa e tal.

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Enquanto esses e outros abriam e fechavam os portões do casarão, Vilma cresceu, casou, teve crianças. Se passava de carro, era o que bastava para tomar o tapete voador. Naquela janela da esquerda, pensava, Oscar teria se debruçado. Na sacada dos fundos, Hilda brincou de boneca, fez tranças numa manhã de sol. Havia um poço – onde mesmo ficava?

Um dia, o casarão virou o restaurante Matterhorn. Pois Vilma pegou o marido pelo braço e se mandou para lá – devorar as pinturas no teto, beber as escadas de madeira de lei. De sobremesa, simulou a montagem da árvore de Natal. Podia ouvir a primarada a se atirar nas amarelinhas. Para surpresa, as holandesas pintadas na copa ainda estavam lá. Pagou a conta e partiu, saciada.

Mas vieram outros donos, como sempre. O casarão virou inclusive zona de recreio dos grafiteiros. Tiriricas cresceram feito selva. Tramelas nocauteadas pela ferrugem. A herdeira imaginária temia – não queria que queimassem a casa, que a invadissem, que a derrubassem, pois não há mais lei que o impeça. "Todos os locais em que vivi não existem mais. Restava esse..."

De um ano para cá, o emblema dos Lindroth voltou à fachada. Restauradores empunham o pincel fino em cada florão do teto. A estrela no alto da escada, uma beleza. Vilma se pôs bonita e foi até lá. Aparece sempre para uma visita. Leva retratos antigos para deleite do novo proprietário. Ele prometeu à velha senhora que as rosas vão florir de novo. Não se nega um pedido a quem as cultivou em silêncio e sonho, por mais de 70 anos.

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