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Luís Henrique Pellanda

Mais marolas

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O menino tem olhos verdes, e é só com eles que, de longe, namora o mar. Faz um apelo aos parentes: quem entra na água comigo? O pai bebe sob a barraca. A mãe ergue um castelo para o neném. A dinda cisca no celular. A avó, faz tempo, está surda. Irritado, o piá chuta a areia e vai aborrecer o povo dos guarda-sóis vizinhos: quem entra na água comigo?

O pai esbraveja da cadeira, sossegue, pare de incomodar os outros! E aponta o esgoto ao lado, vem cá, brincar na piscininha. O menino desconfia, posso? E vai entrando, cismado, na grande poça escura. Antes de mergulhar, junta coragem. Prende a respiração. E lança um último olhar, amarelado, à família que lhe coube.

***

Do alto de uma rocha, diante do mar, minha filha mais velha e eu assistimos a uma partida de caçador. Ou queimada-russa, como prefere a menina.

Entre dunas de tecidos estampados, o ambulante é uma caravana de um homem só

O jogo é bom. Um dos moços está apaixonado por uma das moças do time adversário. Quando nenhum dos dois está com a bola, é só para a guria que ele olha. Quando ele se esquiva das boladas, é olhando para ela que ele foge. E quando é a vez do moço atacar, ele não mira em mais ninguém, só nela. Como se aquele fosse o único modo de provocar, no corpo da moça, alguma interferência. Ela, por outro lado, tenta queimar todo mundo. Menos ele, o alvo fácil.

Do alto da rocha, diante do mar, minha filha mais velha e eu torcemos pelo espetáculo.

***

Num trecho deserto, entre Coroados e o Brejatuba, encontro um vendedor de cangas e batas. Ali não há ninguém, apenas nós dois. Passo por ele e o saúdo formalmente. Sentado, de olho nas ondas, entre dunas de tecidos estampados, o ambulante é uma caravana de um homem só. Tranquilo, nem se levanta ao devolver a saudação. Quer saber, no entanto, se não me interessam os seus produtos.

Não, obrigado, e sigo em frente. Mas logo volto, curioso. Pergunto ao cara por que não vai vender seus panos na Praia Brava, onde há fregueses. Ele resmunga, entediado: “É que não gosto de praia cheia”. Eu rio, não pode ser, é na praia cheia que está o dinheiro! E ele, rindo junto: “Eu sei. Mas é que também não gosto de dinheiro”.

***

O rapaz é garçom, chegou direto do bar, de jeans e camisa branca. Marcou com a namorada. Ela está de biquíni, já exausta de sol e solidão. Ele avisa que só veio dar um beijo. Ela o abraça, molhadíssima. Ele protesta e ela ri, vem comigo pra água? Ele se desvencilha, não trouxe a sunga, ela insiste, ele cede e diz tudo bem, mas das marolas não passo. Arregaça o jeans, tira a camisa e o par de tênis e os amontoa na areia, sobre os chinelos dela. Nem lembra da carteira no bolso de trás.

São adolescentes esguios, tão lindos em sua corrida para o mar, ele relutante, ela irresponsável. Beijam-se (ele só veio para isso, ela sabe) e logo afundam um no outro, e se deixam encharcar pelas ondas, e se permitem puxar para o fundo, até que uma urgência maior os obriga a buscar aquela serenidade enganosa além da arrebentação, onde somem sob as vagas, onde quase morrem afogados no que ainda creem ser um Atlântico de amor eterno, e de onde são resgatados, no último segundo de oxigênio que lhes resta, por uma terceira boca e um terceiro fôlego.

É o salva-vidas, a soprar o seu gélido apito: saiam do beijo!

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