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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Volto para casa pela Carlos Cavalcanti, contornando o Passeio Público. O frio pintou de ruivo a copa dos plátanos, e quem vê o parque de cima tem a impressão de que uma mancha de ferrugem o vai corroendo, eliminando do cenário a luz, o verde e as garças. Aqui embaixo, não; é sempre a mesma sombra, as cores neutras, as personagens usuais. Até agora, que eu saiba, nenhuma decolou. Estão sempre ali, e a única coisa que muda, durante o ano, é o seu figurino. Agora se cobrem de lã, do gorro às polainas, assim como eu, que venho encasacado e de cachecol, evitando o olhar das moças. Em geral, me desconsideram e passo em branco, mas hoje será diferente. Porque uma delas, apeando da cerca de onde monitora a rua, me lança o dissílabo clássico: “Vamos?”

Sorrio – não, obrigado –, assumindo aquela postura de respeitosa naturalidade que, no fundo, nunca cola. Sigo em frente, gelado, contra o vento e a vontade da moça, mas ela ainda não acabou. Às minhas costas, insiste na abordagem, elabora uma segunda pergunta, dessa vez intrigante e, desconfio, inédita: “Mas o moço não vai querer nem uma mimosinha?”

Meu fraco é a curiosidade, até mais que a cupidez, e a menção àquela misteriosa mimosinha me fisga, me obriga a olhar para trás, surpreso. Estaria eu tão desatualizado em relação às práticas de minha época? Ou então aquele diminutivo se referia a uma velha modalidade de amor, banal como tantas outras, mas nem por isso desprezível, apenas recauchutada pelo calor das novas gírias, questão somente de nomenclatura e expectativa?

Meu fraco é a curiosidade, até mais que a cupidez

Examino a mulher. Baixa, bem acima do peso, mais velha que eu, sofrida, mas sorridente, os olhos vivos, algum humor neles. Procuro suas mãos, enluvadas, a direita segura a alça da bolsinha, mas a esquerda não, é uma dádiva o que ela me oferta, um saco de ouro, um cacho de corações dourados, será?

Nada disso. Uma dúzia de mexericas miúdas numa redinha amarela. Sim, a proposta que me fez foi literal, toma aqui umas mimosas, ela diz, e ao vê-las, tão familiares e bonitas, sorrio diante da estupidez dos devaneios masculinos. Ela percebe que me confundiu e ri, repetindo a pergunta, vai aí, moço, uma mimosinha gostosa? Pergunto quanto custam, e ela, rápida, me puxa a faca metafórica, dezão paga, é da boa, você nunca chupou nada igual, e eu rio ainda mais, que despropósito, dou cinco reais e olhe lá, é pegar ou largar. Ela topa, resignada, já no lucro: “Um admirador foi quem me deu, hoje cedo”.

Negócio fechado, me despeço dela, valeu, mas ainda a ouço improvisar um último gracejo, tchau, meu freguês, pelo menos dessa fruta você gosta.

Em casa, passo a tesoura na redinha e as mimosas desabam na fruteira, em cascata, soterrando as laranjas sanguíneas que colhi no Capão Raso. Estranha sobrevida esta, a das frutas na cozinha, à espera de nossos dentes e línguas, o sol de junho batendo nelas como se já não estivessem condenadas, cadáveres perfumados, suculentos e coloridos, comida e ao mesmo tempo objetos de decoração.

Estudo a pirâmide de reflexos alaranjados sobre a mesa, e as mimosas parecem me soprar: “Vamos? As que vão morrer te saúdam”.

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