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Desde que minha filha trocou de escola, pareço ter mudado de cidade. Antes, andávamos pela Saldanha Marinho; agora, voamos pela Vicente Machado. A distância de uma rua para outra é pequena, mas tem suas histórias. Foi ali pela Vicente que o facínora Inácio José Diniz, em 1893, degolou Maria Bueno, a caminho da Saldanha, quando saíam de um baile. Dizem que, do chão onde caiu a santa, brotou uma rosa vermelha. Não é algo em que eu acredite, mas, sempre que passo por lá, penso nessa roseira trágica, e até sinto a sua presença.

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Que fim teria levado, deixou sementes, perpetuou-se? Improvável. Na antiga Rua dos Campos Gerais, só vejo hibiscos e extremosas, arbustos mirrados dando duro para sobreviver. E tudo é maior e mais viçoso que as arvorezinhas: edifícios, carros, ônibus, executivos, advogados, estudantes e até as caçambas de lixo. Na Vicente, cada calçada é a margem de um rio seco, mas também uma correnteza de urgências e atrasos, identidades solúveis em pedra. Nos afogamos uns nos outros.

É quase impossível seguir o conselho de João do Rio e perambular por aí com inteligência

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Deu no que deu: antipatia. Nestes seis meses não escrevi nada sobre a rua. Eu simplesmente não a via direito, e ainda não vejo, apenas corro por ela com minha filha a reboque, arrastando o futuro em sua mochila de caveirinha. Olho para aquele crânio adorável, enfeitado com um lacinho rosado, e é como se o ouvisse dizer: “A pressa mata o cronista e, dessa morte, como de qualquer outra, não nascerá rosa alguma”.

Pode ser, está cada vez mais difícil flanar. É quase impossível seguir o conselho de João do Rio e perambular por aí com inteligência. Se é mesmo verdade que um cronista precisa cultivar um espírito vagabundo, o melhor é ir plantá-lo num banco de praça, entre as visagens da João Cândido ou entre as barracas da Osório, esta praia de sombras a circular o marzinho de Curitiba. Sim, observemos nosso tempo apodrecer sob a redoma de cansaço da Rui Barbosa, ou mesmo no triste Getsêmani em que se transformou a Santos Andrade. E por que não aqui, na esquina de casa, na Santos Dumont, que teimo em chamar de Pracinha do Amor?

Aliás, estou prestes a me mudar: logo partirei da Ébano para a Amintas, trocando uma ladeira por outra. Sabendo disso, uma amiga de São Paulo me perguntou se não sentirei saudade da minha pracinha de estimação, como já sinto da Saldanha Marinho. Respondi que sim. Embora eu sinta falta da Pracinha do Amor até mesmo quando estou sentado nela.

De todo modo, assim como os amores, as pracinhas jamais nos faltarão, sempre chegaremos a outras, novas e desconhecidas, e a um só tempo familiares, nem que precisemos inventá-las ou reconstruí-las de memória. Lembro vagamente da minha primeira pracinha, no Capão Raso. Hoje ela se chama Largo Padre Albino Vico; na época, não sei que nome tinha, ou talvez soubesse e já tenha me esquecido.

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Menino, eu me sentava atrás da banca de jornais por uma hora e meia, enquanto matava as missas de domingo. Não me recordo do cenário em detalhes, mas imagino que diante de mim se estendia um pasto de vacas salpicado de outdoors, e uma cerca de arame farpado. Pena que só consigo visualizar a praça atual, rodeada de prédios em construção e estações-tubo.

Ainda ouço os hinos que vinham da igreja, e sou até capaz de cantá-los de cor, letra e melodia, apesar de não mais me lembrar das pessoas que os cantavam e, depois, passavam por mim. Não sei se me cumprimentavam ou se me repreendiam por estar ali, ao ar livre, inerte e calado, deixando a vida gastar-se.

Ou melhor, só lembro de uma pessoa: uma menina, que veio me vender uma rosa vermelha. Eu não tinha dinheiro, e ela só me deixou cheirá-la. Que fim terá levado?