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Sou obcecado pelo jardineiro português da mãe do Nelson Rodrigues. Aquele cara que, ao responder sobre os dias da semana em que preferia não trabalhar, declarou: “O sábado é uma ilusão”. Jamais elucidada, a frase assombrou o menino Nelson até o fim da vida, o que não foi de todo mau. Um mistério, vocês sabem, só é bom quando morre conosco, tornando-se também um legado.

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No futuro, todo jardim será da saudade. Ou, pelo menos, um campo de ilusões

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De minha parte, não só digo que gosto de enigmas impossíveis, como afirmo ser um herdeiro de espantos. É que minha mãe, que sempre viveu entre jardins e pomares, já contou com a ajuda de um jardineiro igualmente charadista. Lembro mais de seu cartão de visitas que de sua figura em carne e osso. Num pequeno retângulo de papelão, víamos sua foto, um senhor de bigodes e chapéu de feltro, ao lado do vira-lata de aparência esfíngica que o acompanhava, e o extraordinário título que escolheu para si mesmo: “Fulano de Tal, o Jardineiro do Futuro”.

Sempre me perguntei o que seria o futuro para aquele homem, ou para o seu cão, mas nunca tive coragem de perguntar diretamente a ele. Sei que, no fundo, todo jardineiro é um operário do porvir, e que trabalha basicamente com a nossa fé nos elementos e na ciência. Um jardineiro, afinal, segue receitas milenares. Ele deixa recados para a natureza, instruções simples num idioma que não dominamos, e vai-se embora, acreditando que se fará entender. Deus é o seu único leitor.

Outro jardineiro que conheci, porém, tinha uma visão mais utilitarista do seu trabalho e dos anos vindouros. Pessimista, não aprovava os objetivos de minha mãe ao cultivar tantas flores ao redor de casa. Para ele, jardins floridos eram um desperdício de espaço e, se dependesse de sua vontade, cobriria o terreno de repolhos. Seu futuro, decerto, era distópico, de fome e contenção.

Confesso que eu próprio já aborreci minha mãe com dúvidas e críticas acerca de sua jardinagem compulsiva. Hoje sei que eram bobagens de filho preocupado. Explico: o bairro que me viu crescer não existe mais. Antes era um subúrbio distante, onde as vacas pastavam ao som dos expressos recém-chegados e dos hinos na igreja do largo. Havia estufas de banana, bailões imorredouros e coatiaras à espreita nos canteiros de estrelícias.

Isso acabou, ou parece ter acabado. O bairro da minha infância, ou da minha memória, foi posto abaixo para ser de novo reerguido — só que antes mesmo de ter sido alguma coisa. E, como quase tudo ali está sendo vendido e repensado, a casa onde nasci se tornou uma ilha de resistência em meio à amplidão oceânica dos lotes. Sou, assim, um ilhéu curitibano.

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É o progresso, e quem vai se opor a ele? Minha mãe, embora de um jeito peculiar, provocador. Ela não só se recusou a vender e demolir a casa, como decidiu expandir ainda mais o seu pomar. Já plantamos por lá cerca de 30 novas árvores frutíferas, e elas estão começando a brotar. Quantos anos resistirão ao assédio dos condomínios e estacionamentos, não sei dizer. Mas hoje apoio a intransigência romântica de minha mãe. Alianças com a natureza dão força e sentido às nossas lutas, por menores que sejam.

Mesmo assim, num sábado desses, fraquejei. Voltei ao bairro para uma longa tarde de plantio de mudas e dei de cara com as dezenas de buracos já abertos pelo jardineiro. Tudo adiantado, só nos restava misturar adubos e estercos. Enquanto o fazia, fui espiando aquelas covas na terra vermelha, tão vazias — meio metro de fundura, dois ou três de distância entre uma e outra —, e admiti que, no futuro, todo jardim será da saudade. Ou, pelo menos, um campo de ilusões.

Até lá, vamos cultivando, candidamente, as nossas flores de obsessão.