(Chico Marés substitui Marcos Xavier Vicente, que está em férias)
Eu tenho o defeito mais grave que um jornalista pode ter: sou alérgico a grandes momentos. Ou eles são alérgicos a mim. De qualquer maneira, eu sou o cara que está no banheiro quando sai o gol de bicicleta, que está de folga no dia em que o figurão é preso, que resolve ficar em casa justamente no dia mais bonito do ano. Talvez tenha sido por isso que eu fui o escolhido para passar a madrugada de quarta-feira no acampamento da Assembleia.
Ninguém poderia querer que as bombas de gás lacrimogêneo, os cassetetes e as joelhadas da PM nos professores se repetissem nesta madrugada. Mas também, se isso acontecesse de novo, seria prudente ter um jornalista no local para cobrir. Não havia ninguém mais indicado do que eu.
E felizmente minha sina se repetiu. Saí do Centro Cívico e fui para a redação com a missão de escrever a matéria mais difícil do mundo: não aconteceu nada. Ou, melhor dizendo, aconteceu muita coisa. Mas era algo abstrato demais para qualquer página do jornal que não fosse essa.
Por exatas duas horas e meia, parecia que não havia protesto, não havia polícia e não havia Paranaprevidência
O que se desenrolou na madrugada foi uma espécie de Guerra Fria. A disputa entre policiais e servidores deixou de ser física e passou a ser psicológica, simbólica. Tudo começou com a polícia querendo alterar o posicionamento das barreiras que separavam os manifestantes da Assembleia e do Palácio Iguaçu. Eles ganhariam parte do terreno da rua e estavam dispostos a ceder parte da calçada.
A proposta dividiu os manifestantes. Alguns queriam topar, outros consideravam qualquer perda de território uma derrota política. Bem, francamente nada disso fazia qualquer sentido, se colocado sob a perspectiva da disputa política maior – entrar ou não na Assembleia, aprovar ou não o projeto. Mas naquele momento aquilo parecia ser a grande questão de todo o protesto.
No fim, um grupo de manifestantes resolveu fincar o pé no terreno já ocupado e as fronteiras se mantiveram as mesmas. Cessada essa disputa, começou a dança. Os policiais organizavam sua formação. Os manifestantes se levantavam. Os policiais relaxavam. Os manifestantes relaxavam. Trocava a guarda. Os manifestantes levantavam. Os policiais organizavam sua formação.
Mas foi por volta das duas da manhã que aconteceu o momento mais interessante. Cansados, os dois lados se permitiram uma trégua. E aí os manifestantes que ainda aguentavam acordados aproveitaram para jogar truco, conversar sobre amenidades. Os policiais assistiam Porta dos Fundos no celular, rindo de cada piada. Por exatas duas horas e meia, parecia que não havia protesto, não havia polícia e não havia Paranaprevidência.
Às 4h30, exatamente, o major que comandava a tropa ordenou que os policiais parassem de conversar e organizassem sua formação. Os manifestantes se levantaram. Terminada a trégua, era hora de voltar para a batalha psicológica, que mais tarde descambou para as cenas inaceitáveis de violência contra o cidadão que testemunhamos na tarde de quarta. Pensando bem, deveria ter ficado por lá até o fim do dia.
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