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marcos xavier vicente

Cadela amiga

O roteiro certeiro de estresse, sedentarismo e tabagismo levou um amigo a uma visita forçada ao pronto-socorro recentemente. E, antes de adentrar ao gramado do centro cirúrgico para solucionar a pane no coração, o sujeito ouviu com atenção a preleção do médico cardiologista.

Daqui por diante, alimentação saudável, exercícios físicos e, obviamente, nada de cigarro. De brinde, levou uma molinha no peito para manter a passagem de sangue nas veias aberta até o coração e lembrar de que a coisa é realmente para valer.

As primeiras semanas sem fumar do recém-enfartado não têm sido nada fáceis

O amigo vai bem. Já está quase recuperado. Nos próximos dias, deve voltar ao trabalho e poderá até trocar experiências com outros enfartados do serviço, todos da mesma linhagem estresse-sedentarismo-tagabismo. Talvez até fique sabendo que um desses sobreviventes, que fumava tanto ou até mais que o enfartado em questão, guarda em segredo um cigarrinho para os momentos de desespero.

Quando bate a vontade de fumar, recorre ao caretinha solitário guardado no fundo da gaveta e sai para a rua. Não para tragar, mas para cheirar o cigarro e aliviar um pouco a saudade que o organismo, muito apegado à nicotina, sente. Só então volta, guarda o mesmo cigarro na gaveta e retorna ao trabalho.

As primeiras semanas sem fumar do recém-enfartado não têm sido nada fáceis, como era mesmo de se esperar. A irritação por não poder saciar o vício foi a nível nunca antes visto. Diz ele que tem vontade de quebrar a televisão até quando assiste à água com açúcar da novela das seis. Mas, com acompanhamento certo e força de vontade, isso há de ser contornado.

O que realmente está difícil de lidar depois do enfarte é com a rejeição. E justamente de quem ele menos esperava esse tipo de comportamento em um momento de dificuldade: a própria cadela de estimação.

A relação entre dono e animal azedou depois do enfarte. Nos últimos dias, tem sido cada um para um lado. Ao ponto de, quando o amigo chegou do hospital após a cirurgia no coração, a cachorra mal ter se levantado para recebê-lo.

No começo, ninguém entendeu direito a indiferença por parte dela. Mas logo a resposta veio à tona. Sem o cheiro de cigarro impregnado à roupa, a cadela simplesmente não reconheceu o próprio dono. Com isso, passou alguns dias melancólica pelos cantos da casa à espera daquele de quem mais gosta – e que, ironicamente, estava sempre ali, bem na frente dela.

Parece que aos poucos os dois vão se reaproximando, ainda com uma certa desconfiança por parte da cachorra. Devagarzinho, a cadela vai percebendo que, pelos hábitos e, principalmente, pela atenção dedicada a ela, aquele cara deve mesmo ser seu dono.

Tanto que a cachorra começa a retribuir alguns agrados. Já não foge mais quando o dono a procura. Não esconde a satisfação quando ele passa a mão em seu pelo, abanando o rabo ainda um pouco tímida, mas sincera e satisfeita, como antigamente. O mesmo quando recebe comida.

Ele, por sua vez, vai aliviando a tensão da falta de nicotina no organismo a cada pequena reconquista com a velha companheira, comprovando que o cachorro é mesmo o melhor amigo do homem. Amigo do peito, ele diria.

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