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marcos xavier vicente

Netflix e a geração locadora

Acho engraçado o Netflix ser a grande sensação entre o pessoal da minha geração, aquela rapaziada que está próxima ou já passou um pouquinho dos 40. Justamente nós, que muito provavelmente fomos a última faixa etária a viver as ruas de fato, da infância à juventude, agora nos rendemos à comodidade de uma videoteca inteira ao alcance do controle remoto, sem sair de casa. Basta escolher o título e separar o cobertor, se a temperatura assim exigir.

Não há mais a apreensão de ir até a videolocadora sem saber se aquele lançamento ou aquele filme cult que você está na fissura para assistir há um tempão estará disponível. Aliás, ainda existem locadoras de vídeo ou elas já se transformaram em algo tão retrô quanto os vendedores de Enciclopédia Barsa?

Para a gurizada de hoje entender a importância que as videolocadoras tinham, pode-se dizer que por um bom tempo elas foram o principal espaço social nos bairros. Mais do que a praça, mais do que a igreja, o mercado ou campinho de futebol, eram as locadoras de vídeo o grande ponto de encontro dos vizinhos entre os anos 80 e 90.

Era difícil não encontrar um conhecido quando se ia locar uma fita VHS – essa a meninada que vá buscar no Google o que é, porque eu perderia muito espaço explicando essa tecnologia que, como tantas outras, foi vanguarda e agora é mais do que obsoleta.

Trabalhar numa locadora de vídeo era o grande sonho de todo adolescente naquela época

Dá para dizer que as carteirinhas de sócio estavam para as videolocadoras como as senhas on-line estão para os serviços on demand. Eram o acesso ao acervo precioso. E eu me lembro perfeitamente de quando meu pai se cadastrou na locadora do nosso bairro, lá nos anos 80.

Sob a ficha de número 31, ele pagou uma pequena taxa, que era uma espécie de matrícula para ser sócio. Meu velho ainda assinou um termo permitindo que os dois filhos, ainda crianças, pudessem alugar filmes. Mas com uma ressalva bem explícita no cadastro para mim e meu irmão: nada daqueles filmes da salinha fechada onde geralmente só entravam homens desacompanhados.

Hoje há uma seção inteira só de filmes infantis no Netflix. E, com a oferta deslavada do chamado conteúdo adulto na internet, as salinhas secretas de filmes proibidos ficaram na memória, como vão ficar as moças nuas da Playboy, que não publicará mais esse tipo de foto.

Trabalhar numa locadora de vídeo, aliás, era o grande sonho de todo adolescente naquela época. E não era só pelo acesso à tal salinha secreta. Ser funcionário desse tipo de comércio com 15, 16 anos era ser o cara descolado da turma. Era a oportunidade de poder assistir em primeira mão a todos os filmes que os outros só veriam conforme a disponibilidade da fita para locação. Também era a chance de impressionar as menininhas mais bonitas do colégio, indicando esse ou aquele filme.

Claro, as locadoras não tinham o catálogo do tamanho desses aplicativos de hoje, essa oferta praticamente infinita de títulos. Mesmo assim, às vezes dá vontade de largar o cobertor para jogar a sorte na busca de um filme na locadora de vídeo. Afinal, não é no Netflix que você vai encontrar um amigo ou rever aquela menina de quem estava a fim lá na escola.

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