A dica foi do amigo Marco Sanchotene. Havíamos acabado de trabalhar na cobertura da Olimpíada de Londres, em 2012, fizemos uma curta viagem pela Escócia e retornamos à capital inglesa para passear. Estávamos hospedados em uma cidadezinha vizinha a Londres e não sabíamos que ônibus tomar para irmos onde tínhamos de ir. O Marco viu duas senhoras à espera no ponto e deu a letra: “Marcão, vai lá e pergunta que ônibus a gente tem que pegar. Aproveita e puxa papo para treinar teu inglês, porque velhinhos falam perfeitamente, sem gírias e têm paciência para explicar”.
A esposa do senhor do kilt começou a contar como ele sempre fora a atração dos encontros da família
Fui, mas o diálogo não rolou. Não pelo meu inglês tosco e nem por uma possível frieza britânica por parte das senhoras. Foi porque elas não paravam de falar. Na verdade, só uma falava, pelos cotovelos. A outra, apenas ria. Descontroladamente.
O motivo de tanta descontração foi o fato de termos acabado de voltar de Edimburgo. A velhinha falante disse que logo depois de se casarem, lá pelos anos 50, ela e o falecido marido também haviam ido à capital escocesa de férias. Segundo ela, o passeio tinha sido maravilhoso, não fosse o fato de o marido encasquetar com a ideia de comprar um kilt – o típico traje masculino escocês, aquela saia quadriculada.
“O quê? Ele tinha um kilt?”, espantou-se a outra, no primeiro acesso de riso da conversa. “Não só tinha, como desde aquela viagem para a Escócia ele passou a usar o maldito kilt em todas as festas”, respondeu a outra.
Dali por diante, eu e o Marco viramos só ouvidos. A esposa do senhor do kilt começou a contar como ele sempre fora a atração dos encontros da família e de amigos com seu traje highlander. Tudo bem, ele bebia um pouco, reconhecia a pobre. Mas, apesar do momento difícil do pós-guerra, quando a população britânica passava por racionamento e vivia com muito pouco, o marido sabia divertir todos em volta como ninguém. E, a partir dali, enquanto o ônibus não chegava, as histórias do velho e as risadas das duas não paravam. “Can You believe?”, cortava ela vez ou outra para mim e para o Marco, como que para nos trazer de volta ao bate-papo.
Pouco antes de o ônibus chegar, ela ainda lembrou de como o marido era um homem bom, que cuidou muito bem dela e dos filhos e que ainda era lembrado pelos amigos. O que só aumentava a falta que ele fazia.
“Só não sinto a menor falta daquele kilt. Foi a única coisa que jamais perdoei nele”, soltou, no que a outra velhinha quase caiu do banco do ponto de tanto gargalhar, forçando eu e o Marco a procurarmos outra pessoa, de preferência sem história de kilts, para perguntarmos do ônibus que tínhamos de tomar.