Dei sorte no último sábado. Cheguei em casa de noite, depois do plantão aqui no jornal, bem na hora em que começava na tevê o documentário Charles Bradley: Soul of America, que eu estava para ver havia um tempinho. O filme conta a história do cantor americano Charles Bradley, que lançou seu primeiro disco, No Time for Dreaming, já com a idade avançada de 62 anos, em 2011.
O álbum era a realização de um sonho de criança de Bradley. Aos 14 anos, ele foi com a irmã a um show de James Brown no lendário Teatro Apollo, no Harlem, em Nova York. A energia de Mr. Dynamite naquela apresentação contagiou tanto o pequeno Charles que ele decidiu: seria aquilo o que faria de sua vida.
Bradley cumpriu a palavra. Mas não da forma como sonhou. Depois de morar na rua na infância, quando dormia em vagões do metrô de Nova York, passou a se apresentar como imitador de James Brown em bares fuleiros, literalmente por trocados. Ele seguia todo o cronograma das apresentações do “homem que mais trabalhou no show business”. Com o pseudônimo de Black Velvet, fazia os passos iguais e tinha até um ajudante para jogar a capa sobre ele no fim da apresentação, quando se ajoelhava diante do público, tal e qual James Brown.
Nesse meio tempo, Bradley também trabalhou como cozinheiro. E, por quase cinco décadas, não conseguiu evoluir na música para além dos inferninhos em que imitava o pai do soul – o que não permitiu que saísse de Bed-Stuy, uma das áreas mais degradadas de Nova York, onde, segundo o próprio, só se sente seguro depois que se passa da porta de casa para dentro. Nas últimas décadas, Bradley ainda teve de cuidar sozinho da mãe doente.
A energia de Mr. Dynamite contagiou tanto o pequeno Charles que ele decidiu: seria aquilo o que faria de sua vida
Assim caminhavam as coisas até que o dono de uma pequena gravadora especializada em soul music achou que aquele vozeirão poderia se encaixar no som de uma banda de jovens recém-formada, a The Menahan Street Band. Bingo!
A parceria deu certo. O guitarrista Thomas Brenneck soube explorar não só a voz do cantor. Viu também na história de vida de Bradley uma excelente fonte de letras, carregadas de desilusões e esperanças. Como na belíssima Heartache and Pain, que narra o assassinato do irmão mais próximo do cantor.
De tão bom, o disco teve excelente vendagem, levou a banda à turnê na Europa e à gravação de um segundo álbum, em 2013 – além do próprio documentário. Fui dar uma conferida na agenda do cantor e, no último domingo, ele se apresentava na Austrália.
“Desde os 14 anos eu imito James Brown. Agora, quero ser Charles Bradley”, diz o cantor no documentário, pouco antes do lançamento do disco, já um tanto cansado de sonhar.
A partir da semana que vem estou de férias. Volto em maio. Abraço a todos!