Estaciono o carro na rua e logo aparece o guardador. Trabalha para o restaurante em frente e está uniformizado. Quando se aproxima e começa a falar, noto que há algo estranho. Depois de me pedir umas moedas, sua primeira frase é "quem pensa não casa". Posso até concordar com ele, mas não entendo o que aquela filosofia popular tem a ver com o que se passa ali, naquela rua do Bigorrilho. Quando volto, minutos depois, o rapaz recomeça. Simpático, fala rápido e me brinda com algumas frases sem relação entre si. De duas, uma: ou é artista ou é maluco. Tente o leitor falar, rapidamente, cinco frases em sequência que não tenham nenhuma relação entre si! Não é fácil. Pois o guardador fazia isso o tempo todo.
Moedinhas na mão, ele me agradece e se despede. Lá vem mais uma pérola: "Não fique de varde. Torça por mim." Nem consegui torcer pelo rapaz porque não parei de pensar no "de varde". Ô palavrinha esquisita que ele desencavou para finalizar a conversa louca, do tipo que só o Chapeleiro Maluco e a Lebre são capazes de manter (quando li Alice no País das Maravilhas para meus filhos, pulei frases do diálogo porque nenhum de nós entendia nada).
Pois o meu Chapeleiro Maluco e simpático não quer que eu fique de varde. Sei que de varde é sinônimo de ficar à toa, mas a expressão soa tão estranha, perdida no tempo, que vou ao dicionário. Encontro no novíssimo Aurélio a palavra debalde, advérbio que significa "inutilmente, em vão". Volto a "balde" e está lá: inútil, sem valor. Eu achava que "de balde" era expressão restrita ao interior do Paraná, onde ouvi muita gente reclamar do marido ou da vizinha que vivia "de varde" alguém consegue imaginar um carioca falando "estou divardiiii" com aquele sotaque de novela das oito? Não, balde é palavra bem-nascida, mas que ganhou corruptela (virou varde) e está sendo esquecida. Assim como convescote, que deve ter sido ouvida pela última vez quando a Zilka Salaberry ainda era a Dona Benta e convidava o Visconde de Sabugosa para festas no sítio. Ou furdúncio, que aqui na redação da Gazeta ainda tem uns e outros que usam, talvez para intimidar os novatos, que devem concluir que não ouviram direito o que foi dito e por isso nem se dão ao trabalho de ir ao dicionário.
Aliás, ir ao dicionário é um hábito demodê (já que estamos falando de palavras do tempo do êpa...). Hoje, vai-se ao Google. O Google sempre tem resposta. Às vezes, dezenas de respostas, o que exige certo empenho para que não se embarque em informação furada. No Google tem "de varde".
O meu Chapeleiro Maluco tem tempo para filosofar ("Quem pensa não casa") porque fica muito tempo de balde. Entre um motorista e outro que aborda, entrega-se aos pensamentos desconexos e acaba chegando a conclusões curiosas (outra que ele me disse: "Já que a chuva está molhando, vou fingir que estou aqui por que quero"). Pessoas muito ocupadas com tarefas práticas sufocam a imaginação. Ficar um pouco de balde não faz mal pra ninguém.
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