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Na mesa da lanchonete, a turma conversa. Compartilham pedaços de bolo (“toalha felpuda” é o nome do quitute), médias, pingados, carioquinhas e um pão de batata dividido em quatro já que é grande e pesado, com muito recheio de catupiry.

Um deles mostra uma revista, outro mostra um livro. Lá fora, na calçada, a dama da rua se exibe em busca de clientes. Quer mostrar o corpo rechonchudo, mas faz frio e chove. Aquela peça colorida por baixo do shortinho minúsculo é uma calça de ginástica? Um ri, outro vira o rosto.

A menininha na primeira carteira estava concentrada nas grandes letras maiúsculas, as únicas que sabia

Fala-se mal do presidente, da presidente, do senador, do ministro, até chegar no vereador, no vizinho, no sujeito da mesa ao lado e, finalmente, falam mal um do outro. Sem ofensas, só brincadeira.

Um dos confrades, porque aquela é uma das muitas confrarias informais que se reúnem em torno de xícaras de café pelo Brasil afora, um dos confrades é professor. Dá aulas de educação física em uma escola da periferia. Está quase se aposentando e ainda não aprendeu a ficar de boca fechada. “Olha só o que me aconteceu...”

Uma colega faltou e ele foi chamado para ajudar com a turminha dos pequenos de cinco ou seis anos. Colocou-os para fazer uma atividade improvisada em que tinham que copiar uma frase do quadro e fazer um desenho. “Desenhe no seu caderno um esporte de que você gosta muito”.

A menininha na primeira carteira estava concentrada nas grandes letras maiúsculas, as únicas que sabia escrever. O desenho de um bonequinho nadando saiu fácil, mas aquela frase era longa demais! Ele reconheceu a aluna, lembrou da irmã um pouco mais velha. A mesma expressão concentrada, o mesmo empenho para terminar as lições. Ouvira alguém dizer alguma coisa sobre ela, o que era mesmo? Depois de tanto tempo de escola, não participava mais das conversas na sala dos professores. “Grace” (o nome da menininha era Grace, como a princesa de Mônaco), como está tua irmã? ”

Grace ergueu a cabeça e, sem piscar uma única vez, respondeu:

“Ela tá no orfanato e só vem pra casa no Natal. A mãe foi lá visitar e disseram que ela é criança abusada e que tem que ficar longe do pai. O pai falou com meu irmãozinho e pediu para ele deixar a porta aberta que essa noite ele vai lá falar com a mãe. A gente sabe que ele quer matar a mãe porque ela denunciou ele. A mãe vai ter que trancar a porta, mesmo que meu irmãozinho chore porque quer ver o pai”.

A criançada em volta ouvia atentamente.

“Volte a desenhar, Grace. Tá ficando lindo.”

A menininha olhou distraída para o bonequinho que nadava em uma piscina vazia. A mãozinha dela não se mexeu. “A água é azul e verde, Grace”. Era ele, o professor, tentando animá-la.

“A água é azul e verde” – repetia ele, agora para os amigos. “O que mais eu ia dizer?”

Alguém observou que a chuva diminuiu. Em meio à confusão das despedidas, o mais velho encerrou a conversa: “E a gente ainda reclama dos nossos problemas”. Hora de ir para casa.

***

A beleza das palavras, 7. Nec plus ultra. Locução latina. Um limite instransponível; o suprassumo.

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