O ano não acabou, mas os 11 meses que se passaram já me deram três notícias sobre as quais acho que deveríamos pensar um pouco. Não são as mais importantes, nem as mais comentadas, mas indicam por onde anda a humanidade.
Hoje vou falar da primeira delas, que poderia bem entrar na lista de provas da insanidade humana. Vamos aos fatos: demógrafos constatam que haverá, em breve, excesso de homens em vários países. China, Índia, Vietnã, Azerbaijão, Geórgia, Sérvia, Bósnia e Armênia passam por uma "masculinização alarmante", expressão usada pelo demógrafo francês Christophe Guilmoto. Para os meninos que nascerem nos próximos anos naqueles países não será fácil arranjar namorada e muito menos casar. A culpa é dos pais deles que estão fazendo uma coisa espantosa: o aborto seletivo.
Estamos falando de países em que o filho homem é valorizado e as mulheres são vistas como estorvo (apesar de também trabalharem). Por isso os casais fazem ultrassonografias para descobrir o sexo do bebê e, se for uma menina, alguns optam pela interrupção da gravidez. Na China, para piorar, tem o infanticídio. As bebezinhas são mortas assim que nascem.
É claro que aquilo que a natureza faz com perfeição, que é manter o número de nascimento de meninos e meninas em equilíbrio (nascem entre 103 e 106 meninos para cada 100 meninas) vai para a cucuia. Este equilíbrio é tão antigo e universal que é quase uma lei natural. Você já pensou como esse equilíbrio espontâneo é maravilhoso?
O primeiro que chamou a atenção para este assunto foi o economista indiano e ganhador do Nobel Amartya Sen, que há 11 anos publicou artigo com um título bombástico: "Mais de cem milhões de mulheres desapareceram". Se fosse hoje, ele teria que falar em 160 milhões de "desaparecidas". Recentemente, a revista inglesa The Economist se referiu à "guerra mundial contra meninas".
A China, que por seu gigantismo e força chama mais atenção, reconhece o problema. No ano passado, a Academia Chinesa de Ciências Sociais fez um relatório que mostra que daqui a meros oito anos um em cada cinco jovens chineses não poderá se casar por falta de noivas. A relação chinesa é de 120 meninos para cada 100 meninas e o Estado já oferece incentivos para os casais que não se livram de suas garotinhas. O "excedente" de homens solteiros chineses será equivalente ao total de todos os homens jovens (casados e solteiros) que vivem nos Estados Unidos. Um verdadeiro exército de sem-mulheres.
E daí?
Daí que além de podermos lamentar as dificuldades sentimentais que esses homens orientais enfrentarão, ninguém sabe ao certo como será a vida nessas nações movidas a testosterona, já que o mundo nunca viu nada parecido.
Gosto particularmente da definição sutil (ou seria maliciosa?) da jornalista da revista Science Mara Hvistendahl, autora do livro Seleção Não Natural: "Historicamente, as sociedades onde o número de homens superou ao de mulheres não são agradáveis para viver", escreveu a moça, evocando os riscos de instabilidade social e, inclusive, de violência.
Sairão os homens asiáticos roubando mulheres dos vizinhos, como os romanos fizeram com os sabinos, e iniciando guerras?
Pode ser que essas previsões sejam exageradas. Deixa pra lá.
O que importa é que as notícias sobre o desaparecimento das mulheres chamam a nossa atenção para essa violência absurda que é eliminação dos bebês do sexo feminino. Mais uma vez, o ser humano age como se pudesse tudo, não aceita se sujeitar à ordem da natureza e sai fazendo o que lhe parece melhor naquele contexto em que vive no momento. No caso, o contexto de um casal preocupado com o bem-estar de sua família e com seu futuro o que é totalmente compreensível.
Mas essa preocupação ultrapassa as fronteiras da racionalidade. O nascimento de uma menina passa a ser visto como uma desgraça, quando é algo natural e necessário. Conformam-se com tradições absurdas e com uma estrutura econômica viciada, mas não aceitam que fazemos parte de um sistema ecológico perfeito, que não pode ser ignorado.
Em resumo: a falta de homens daria ótimas piadas, se não fosse mais uma patetada sem tamanho do ser humano.
As outras duas notícias eu comento na próxima semana. Que você, leitor, deve ter mais o que fazer agora.
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