A vida dos outros é um assunto muito interessante. Não para crônicas ou conversas, que aí seria de mau gosto. A vida dos outros é um bom tema para observação, para distração, para aprendizagem. Sem julgamentos, apenas fluição. Da imperatriz Sissi ao vizinho que vejo da minha janela, do escritor argentino ao jogador de futebol português todos fornecem histórias que posso reprisar mentalmente vezes infinitas, tentando entender, desvendar os mistérios.
Acho que prestamos atenção à vida dos outros para tentar compreender a nossa. Às vezes para nos reassegurarmos de que fizemos as escolhas certas e às vezes para viver outras vidas. Principalmente, para viver outras vidas, que uma só é pouco.
Na minha vida nunca fui imperatriz dos austro-húngaros nem passei os verões galopando na Bavária. Não caminhei por uma Buenos Aires repleta de imigrantes que dançavam em tabernas nem me abriguei em Genebra para viver um grande amor. Por tudo o que não posso ter, me interessa a vida dos outros.
Tenho poucas biografias na estante, apesar de a vida alheia me interessar imensamente. A de Jorge Luis Borges, por exemplo, me rendeu muitas horas de viagem. Tudo era difícil para Borges, o gênio argentino, que não foi bem-sucedido na escola nem na vida profissional nem na vida amorosa. Um episódio em especial me impressionou. Amigos lhe arranjaram um emprego em uma biblioteca de bairro. Um dia, os outros funcionários encontraram no acervo livros de um autor chamado Jorge Luis Borges e comentaram com ele: "Veja só, um escritor com o seu nome!" Nem suspeitavam que o colega era o escritor, já consagrado nos círculos literários. O fim da vida trouxe consolos, apesar da cegueira. Borges finalmente foi feliz. Fiquei feliz também.
Cheguei à Sissi através de seu desafortunado marido. Francisco José, o imperador Habsburgo. A esposa foi assassinada, o filho se suicidou, o sobrinho e herdeiro foi morto pelos sérvios em Sarajevo. Deve ter sido um alívio para o velho imperador morrer, em meio à Primeira Guerra Mundial, e não assistir, completamente sozinho, ao desaparecimento do império. Não encontrei na vida de Francisco José motivos para ser feliz.
Abrir um livro de ficção é abrir outra porta para a vida alheia. Vidas imaginárias, amigos imaginários que nos acompanham por alguns dias ou para sempre. Quando eles se vão (porque o livro voltou para a estante), ficam saudades, às vezes um vazio. Tão forte é essa necessidade de experimentar as existências que nunca tivemos que inventamos a tecnologia da ilusão. O que é o cinema, se não o milagre que nos transforma em mosquinhas que viajam no tempo e entram na casa dos outros, nos campos de batalha, nas alcovas dos apaixonados, nas ruas de Nova York em que caminha um mafioso.
Tudo culpa da nossa imaginação, da nossa inteligência, que precisa dessas pregas no tempo e no espaço para escapar do corpo e viver um pouco mais. Emprestamos a vida dos outros para ir além da nossa. Não como expressão de descontentamento com o que temos, mas reconhecimento de que a mente pode mais do que o ambiente nos fornece.
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