| Foto: Felipe Lima

Roubo a frase que alguém me escreveu: “é um dilema encontrar amigos”.

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Quem me escreveu foi um amigo e, mesmo estando os dois de acordo quanto ao aspecto angustiante desses encontros, marcamos um café. Entre nós não houve dilema porque nossa convivência é frequente, próxima. Está a nosso favor a força familiar e tranquilizadora da convivência, que neutraliza qualquer ansiedade. É diferente quando se passa muito tempo distante e troca-se o encontro pelo reencontro. O reencontro envolve ansiedade, curiosidade e, às vezes, mágoas.

O amigo é a sociedade toda personificada em um só indivíduo e o usamos como parâmetro para avaliar a quantas anda a nossa vida. O que ele fez nos últimos anos? O que eu fiz? Por isso o reencontro é mais tenso que o encontro de quem está sempre junto, por criar o ambiente perfeito para comparações. “Ah, você agora é doutor?”, “Parabéns, você se casou”, “Que viagens maravilhosas você faz!”

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O reencontro entre amigos é tenso por criar o ambiente perfeito para comparações

Amigos têm inveja. Não posso afirmar que este mal afete a todos. Até porque alguns têm mais propensão à inveja que outros. O que, por si só, não significa que sejam piores. Somos todos presenteados com um conjunto de características que nos acompanham desde o berço ou que brotaram em nós como o mato depois da chuva de verão. Se há mérito ou demérito, ele está no que fazemos com as tais características. Com a inveja é assim. Reconhecê-la é dolorido, mas é um primeiro passo para neutralizá-la. Os amigos às vezes provocam inveja. Às vezes provocam angústia, raiva. Às vezes, ao reencontrá-los, percebemos que não há mais empatia, que desapareceu o que tínhamos em comum. Daí o dilema: deixar os velhos amigos no passado, evitar o confronto que eles provocam com as nossas antigas expectativas e com nossa situação atual ou encará-los com toda a provocação que eles, inadvertidamente, nos trazem?

Não acho que era a esse dilema que meu amigo se referia. Mas é o que eu enxergo nos reencontros.

O livro A Amiga Genial, da italiana Elena Ferrante, gira em torno desse lado angustiante da amizade. Na infância e na adolescência, Lenuccia tem adoração pela amiga Lila, mas cada encontro entre as duas é para ela um desafio. Ela percebe como Lila é inteligente, como é independente, como é segura, e isso a perturba a ponto de guiar sua vida pela comparação. Exibe-se para a amiga explorando sua única aparente vantagem, que é a possibilidade de frequentar a escola enquanto a outra é obrigada a ajudar os pais. Espanta-se com as mudanças que ocorrem na vida de Lila – que se torna mais bonita, que se adapta às circunstâncias, que se casa – enquanto sua própria vida lhe parece insossa. Um livro sobre a amizade tem de ser também um livro sobre a compulsão de se comparar ao outro e, talvez, a sentir inveja.

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Como Lenuccia é a narradora, sabemos o quanto ela se angustia na convivência com Lila, mas não sabemos se Lila também se compara a ela, se também se sente inferiorizada, se sofre com a humilhação da inveja. Há indícios de que sim, de que a incrível Lila se compara com a amiga Lenuccia e tenta, a seu modo, não ficar para trás (tornando-se autodidata, por exemplo). A riqueza dessa troca angustiada que é a amizade aparece sutilmente em uma frase, aquela em que Lila diz a Lenuccia: “Você é minha amiga genial, precisa se tornar a melhor de todos, homens e mulheres”. É quase no final do primeiro livro (são quatro obras em torno das duas mulheres) e até ali fomos levados a crer que a “amiga genial” do título era Lila (é uma surpresa para nós e para a personagem Lenuccia). Elas são amigas verdadeiras porque se conhecem e, porque se conhecem, se invejam e se admiram.