Tenho um vizinho que faz churrasco quase todo fim de semana. Segue um ritual, que vou decifrando a distância. Enquanto acende o fogo, começa a música. A refeição se desenrola a tarde inteira e a música toca ininterruptamente. Sempre a mesma música. A mesma música... A mesma...
Marisa Monte espalha seus versos animados ("Eu sou de ninguém / Eu sou de todo mundo / E todo mundo me quer bem"), seguida de uns roqueiros dos anos 90 ("Quero um amor maior, um amor maior que eu"). O que me leva a concluir que o vizinho, que não vejo porque está do outro lado de um muro alto, está na casa dos 30. Depois que Marisa finaliza seu estribilho ("Eu nem pensava em ter que esquecer você...") e o barulho dos roqueiros acaba, vêm os pagodes, que desconheço.
No domingo seguinte, o mesmo repertório ("Complicada e perfeitinha, / Você me apareceu.")
As palavras das canções vão e vêm, encobertas por outros ruídos, pelo alarido das crianças, pelas risadas dos adultos ou simplesmente pelas portas que mantenho fechadas. Aliás, risadas e conversas altas incomodam mais que a música. Pois não é que passei a entender melhor meu vizinho ao ler o jornal? Encontrei lá uma entrevista com o pesquisador da Universidade de Washington que estudou o que as pessoas realmente querem quando o assunto é música: novidade ou a velha canção que já sabem de cor?
A resposta, segundo o americano, é a velha canção. As pessoas ouvem sempre as mesmas músicas, exatamente como o meu vizinho. A familiaridade é mais buscada que a novidade, especialmente por aqueles que colocam a música como pano de fundo enquanto se ocupam de alguma tarefa, como dirigir e estudar. Mesmo quem diz que gosta de novidades ouve suas antigas conhecidas a maior parte das vezes.
O estudo foi feito pela escola de negócios, por pessoas que estudam marketing. Qual é a utilidade dele, não entendi a princípio. A publicidade já utiliza as velhas canções a rodo. De Pixinguinha a Frank Sinatra, de Irving Berlin a Beethoven, ninguém escapa. Busquei o texto original da Universidade de Washington e ele se explica melhor. A crítica mais comum às rádios americanas especializadas em música é que elas tocam sempre o mesmo set list e isto estaria condenando-as à extinção. Balela. Quem gosta de novidades vai atrás de novidades, mas cada um a seu modo cultiva inconscientemente uma zona de conforto que, no caso do meu vizinho, inclui uma picanha na grelha... As rádios devem continuar tocando seus velhos discos, recomenda o pesquisador. "Consumidores hipervalorizam o desejo que têm por novidades" é a última frase do estudo.
Meu palpite? A familiaridade nos faz sentir menos perdidos no mundo. O mundo muda tanto que é reconfortante ouvir algo conhecido, ser capaz de antecipar o próximo acorde, o riff da guitarra que vem em seguida, a estrofe que sabemos de cor.
Tudo faz sentido menos o gosto musical do meu vizinho.
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